Alta qualidade do trigo produzido no centro do País é o diferencial da região. Trabalho conjunto vem aparando arestas entre setor produtivo, indústria, pesquisadores e governo. Juntos, grupo objetiva criar política nacional desenvolvimento da triticultura
Cultivado desde o primórdio das civilizações, o trigo é considerado essencial à alimentação humana – porém, embora presente no pão de cada dia (e em outros alimentos que apetecem o mundo), o cereal é a única commodity que o Brasil não tem autossuficiência. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam que, aproximadamente, 50% do trigo utilizado no país têm origem estrangeira. Em 2020, a produção brasileira alcançou 6,2 milhões de toneladas, enquanto o consumo ultrapassou 12 milhões de toneladas. O desequilíbrio entre oferta e consumo gera um déficit bilionário na balança comercial brasileira. Especialistas acreditam que a solução para o impasse pode estar no coração do Brasil. O volume de lavouras cultivadas no cerrado vem crescendo significativamente. Produtores e indústria moageira estão animados com a alta qualidade dos grãos produzidos na região.
Segundo pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), produtores, entidades de classe e representantes da indústria moageira, a produção de trigo no cerrado não é recente (as primeiras iniciativas são da década de 1970), contudo – agora, o projeto começa a caminhar de forma promissora com a união de esforços.
O grupo afirma que muitos desafios estão sendo discutidos na formatação de uma política nacional para o desenvolvimento da triticultura envolvendo todos os elos da cadeia – porém, há uma unanimidade quando se discute a qualidade do grão e o potencial da triticultura do cerrado.
“É a região que produz o melhor trigo do país e um dos melhores do mundo em termos de qualidade industrial para panificação. Os moinhos têm atestado isso a partir da farinha produzida na região, tanto nas áreas irrigadas quanto nas de sequeiro”, explica o pesquisador Júlio Cesar Albrecht, da Embrapa Trigo. Ele ensina que a qualidade para panificação é medida em relação à estabilidade do grão e a força do glúten [os patamares alcançados no cerrado são o dobro dos exigidos pelos moinhos].
Recentemente (junho/21), a Bunge, líder mundial no fornecimento de farinhas e pré-misturas para panificação reativou o Moinho de Brasília, fechado desde 2018. A unidade gerou 40 novos postos de trabalho e tem capacidade para processar 300 toneladas/dia de farinha e farelos de trigo.
Mapa da Triticultura
Brasil
É o 23º produtor mundial de trigo (região sul do país concentra a maior parte da produção nacional)
Apesar de ainda ser pequena, a produção de trigo no país – projetada para 2021 pela Conab sugere aumento de 36% em relação à safra anterior.
Produção – 2020 6,2 milhões de toneladas
Consumo – 2020 12,1 milhões de toneladas
Área plantada –2020 2,3 milhões de hectares
Área plantada – 2021 2,6 milhões de hectares (12% aumento, comparado à safra anterior)
Produção estimada – 2021 8,48 mil milhões de toneladas (36% aumento no volume)
Goiás
Produção – 2015 48,5 mil toneladas
Produção – 2020 92,4 mil toneladas
Produção estimada – 2021 142,2 mil toneladas (53,9% aumento, comparação à safra anterior)
Área plantada – 2020 23,1 mil hectares
Área plantada – 2021 55 mil hectares (138% aumento, comparação à safra anterior).
Fonte: Conab
Crescimento no cerrado
O mapa da triticultura ainda é concentrado na região Sul (90% da área plantada safra 2021 está localizada nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina). Mas, a participação da cultura vem crescendo no cerrado nos últimos anos. Os levantamentos da Conab registram que nos últimos 10 anos, a área plantada, nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e no oeste da Bahia passou de 100 mil para 250 mil hectares cultivados.
De acordo com o analista da Conab, Rogério César Barbosa, a área goiana plantada com trigo em 2021, aumentou 138% comparada à safra passada. A expectativa é que a produção deste ano supere as 142 mil toneladas no Estado. O volume é 53% maior que a safra anterior. Rogério afirma que a maioria das lavouras está localizada na região leste do Estado, nos municípios de Cristalina, Campo Alegre, Vianópolis, Ipameri, Catalão, Luziânia, Formosa, Cabeceiras, São João d’Aliança, Água Fria de Goiás, Alto Paraíso, Jataí e Rio Verde. O analista diz que os levantamentos da Companhia Nacional registram que 70% da produção atual de Goiás é plantada em regime sequeiro, com média estimada de 40 sacas/hectare. Já nas áreas irrigadas, a produtividade média é de 90 sacas/hectare.
“Nós produzimos um trigo de qualidade superior, com alto teor de proteína”, afirma o produtor Alexandre Caixeta. Ele planta trigo no município de Vianópolis, em duas etapas [safrinha após a colheita da soja, em regime de sequeiro. Média – 1,5 a 2 toneladas/hectare] e no inverno [plantio irrigado. Média – 5 a 6 toneladas/hectare]. O projeto de trazer o trigo para o município começou com o pai, Macel Félix Caixeta, ex-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás, falecido em 2008.
Alexandre afirma que Macel vislumbrou o potencial do cerrado goiano para a cultura há 20 anos e investiu em cultivares pesquisados pela Embrapa. “O cerrado produz um produto melhorador”, frisa. Atualmente, Alexandre trabalha com quatro variedades de cultivares que, segundo o produtor, geram grãos comparáveis ao trigo canadense (uma referência mundial). Para ele, o trigo precisa ser mais valorizado, assim como as pesquisas da Embrapa para desenvolvimento de novos cultivares específicos para o clima da região.
“A pesquisa foi a chave do sucesso para o trigo no cerrado, porque permitiu cultivares que atendem ao mercado”, comenta Alexandre. “O trigo safrinha é uma alternativa viável e que pode ser mais uma opção ao produtor caso as adversidades climáticas estejam muito prejudiciais ao milho e ao sorgo, porque em geral o trigo exige pouca água”, analisa o triticultor. “Acredito que se investirmos em pesquisa e novos cultivares, o Brasil pode sim ser autossuficiente em trigo e referência em grão de qualidade”, encerra. Além destes aspectos, Alexandre acrescenta que faltam linhas de financiamento e seguro para que o produtor investir mais na atividade.
Aumentar a produção
“Não há dúvida de que o trigo é a próxima revolução do cerrado brasileiro. Mas primeiro é preciso evoluir na pesquisa e na difusão do conhecimento para o produtor rural”, afirmou Ricardo Arioli, presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), durante a live “Os caminhos para a produção de trigo no cerrado” promovida pela CNA, no dia 30/06. “O Brasil tem muito a ganhar com o crescimento do trigo e a redução da dependência internacional. Há um grande espaço para a expansão da produção nacional, gerando emprego e renda aqui”, afirmou.
Para o analista de tecnologia da Embrapa Trigo, Osvaldo Vieira, a qualidade e a produtividade obtidas no cerrado são os principais impulsos para expansão da triticultura na região. “A pesquisa avançou muito nos últimos anos e o trigo começou a crescer na região. Hoje, temos uma plataforma completa de genética e manejo alinhada com a indústria moageira, que está animada com essa perspectiva”, comentou. Na opinião do analista, o cultivo começou com o pé direito desde a introdução de materiais mexicanos ainda na década de 1990.
Para Eduardo Abrahim, presidente da Associação dos Triticultores do Estado de Minas Gerais (Atriemg), o futuro da triticultura e da autossuficiência em relação ao cereal também passa pelo Brasil Central. Conforme Abrahim, testes com as novas variedades desenvolvidas para o clima da região vêm apresentando índices elevados de produtividade em ciclos curtos.
Na opinião de Pedro Mattana Júnior, sócio-diretor da Mattana Consultoria Agronômica, entre os desafios para aumentar a área ainda estão a competição com o milho – que tem apresentado melhor rentabilidade nos últimos anos -, a maior presença de moinhos operando na região e a disponibilidade de cultivares que tenham resistência à brusone, principal doença da cultura.
Segundo a Conab, para o trigo 2021, a expectativa é de que haja diminuição de produção nesta safra devido à restrição hídrica em Goiás e da geada nas lavouras em estágios mais avançados em Mato Grosso do Sul, São Paulo e oeste do Paraná.
Acesse e confira a Live da CNA
Atenção redobrada
De acordo com os pesquisadores há uma necessidade de buscar mais cultivares tolerantes à seca, já que, normalmente, a produção de trigo sequeiro fica comprometida pelos períodos de estiagem na época do plantio.
Outro impasse que o produtor de trigo em sequeiro enfrenta é a brusone, a doença que afeta a cultura no cerrado, é causada pelo fungo Pricularia oryza. Durante todo o período de cultivo, a temperatura é alta e há umidade, o que favorece o surgimento do problema. Além disso, para o plantio de trigo safrinha se tornar vantajoso do ponto de vista econômico, é preciso diminuir a aplicação de fungicida (o fator onera os custos de produção). Daí a necessidade de investimentos em seleção de cultivares resistentes à doença.
Com uma média de 1,5 a duas toneladas por hectare, a produtividade do trigo cultivado em sequeiro é bem menor do que a do irrigado, com média de 4,5 toneladas por hectare. A vantagem reside no custo, que também é menor já que não há investimento em irrigação.
Projeto de expansão
O plano de trabalho para a expansão de área e aumento da competitividade do trigo na região tropical do Brasil Central foi construído pela Embrapa Trigo, ouvindo as demandas do setor produtivo. De acordo com Osvaldo Vieira, o objetivo é alcançar a marca de 323 mil hectares cultivados na região até 2023, o que diminuiria em R$ 450 milhões o déficit da balança comercial (calculado em U$ 1,4 bilhão).
A iniciativa está focada em sete atividades – organizar a produção de sementes, transferir tecnologia para os sistemas de sequeiro e irrigado, apoiar a governança na cadeia produtiva, comunicação e divulgação do trigo tropical, aperfeiçoar o zoneamento climático, fortalecer núcleos de pesquisa e desenvolver materiais com tolerância à brusone. A expectativa é que o projeto seja aprovado ainda este ano.
União da cadeia
O coordenador do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária (Ifag), Leonardo Machado, explica que a promoção da produção de trigo é uma demanda de toda sociedade brasileira, visto a essencialidade do cereal para segurança alimentar e atual dependência das importações. Ele afirma que a solução para este desafio está sendo estudada por integrantes de toda a cadeia da triticultura, tanto em âmbito federal (através da atuação da CNA e da Associação Brasileira de quanto estadual.
“Estamos fazendo um trabalho coordenado para envolver todos os elos da cadeia”, pontua o coordenador do Ifag. “Intuito é remar no mesmo barco para alcançar de forma mais eficaz um futuro promissor para a cultura do trigo no Estado de Goiás”, acrescenta o assessor técnico de agronegócios da Fieg, Douglas Parananhyba. Ele faz parte do Conselho Temático de Agronegócio da Fieg, onde foi criado um grupo de trabalho específico para delinear ações estratégicas para a Triticultura Goiana. O grupo reúne Sistema Faeg Senar, Ifag, Sindtrigo, Secretaria de Agricultura Pecuária e Abastecimento, Universidade Federal de Goiás (UFG), produtores, empresários e a Fieg. Neste momento, a equipe técnica está estudando os gargalos da produção {sazonalidade de produção, planejamento da safra, a dinâmica do preço, os projetos com novos cultivares em estudo na Embrapa e políticas públicas}. Em breve, o grupo planeja realizar um Dia de Campo no município de Cristalina, onde serão apresentados resultados já alcançados pelo Grupo.
Mais competitivo
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), o principal entrave para o crescimento do setor é a falta de políticas estratégicas para o desenvolvimento da cadeia produtiva. A Associação criou uma proposta de Política Nacional para a cultura. O documento está sendo analisado pelo setor produtivo e governo.
De acordo com os executivos do Ifag, entre as várias iniciativas apresentadas pela Associação, algumas prioridades são essenciais à sustentabilidade do setor produtivo e avanço da triticultura em Goiás:
ü Desburocratização do registro de insumos agrícolas;
ü Redefinir os critérios de regulamentação o registro das cultivares no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa);
ü Fomentar a regionalização e especialização da produção, aliando qualidade à produtividade, em larga escala.
ü Promover meios de liquidez da produção
ü Rever os critérios de utilização da atual Política de Garantia de Preços Mínimos-PGPM.
ü Modernizar, ampliar e construir novas unidades armazenadoras [a falta de unidade armazenadores é um problema grave no setor]
ü Estimular a demanda do uso da navegação de cabotagem para transporte de trigo.
Fotos: Wenderson Araujo
Fonte: Comunicação Sistema Faeg/Senar/Ifag