O agronegócio brasileiro vive uma transformação digital acelerada que, ao mesmo tempo em que impulsiona a produtividade, amplia vulnerabilidades críticas. Máquinas autônomas, sensores de solo, drones, sistemas industriais conectados, plataformas de exportação e redes de logística formam hoje um ecossistema integrado, dinâmico e totalmente dependente de dados.
Para Paulo Miranda, Head da keeggo Cyber Security, essa revolução tecnológica trouxe um paradoxo claro: “Cada novo dispositivo conectado é uma possível porta de entrada para agentes maliciosos.” O especialista alerta que o que antes exigia acesso físico para ser comprometido hoje pode ser atacado remotamente, “com alguns cliques”, especialmente com a expansão do 5G e da inteligência artificial no campo.
Essa dependência digital crescente torna o agro um dos setores mais visados por cibercriminosos no Brasil e no mundo. Relatórios recentes mostram que cerca de 10% dos ataques de ransomware registrados no país já miram cadeias do agronegócio, incluindo cooperativas, transportadoras e processadoras de alimentos.
Somente no primeiro trimestre de 2025, incidentes envolvendo empresas agrícolas mais do que dobraram em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo análises divulgadas por especialistas em segurança industrial. O impacto é sistêmico: um ataque a uma transportadora de grãos pode atrasar embarques internacionais; uma cooperativa alvejada por ransomware pode interromper a distribuição de insumos em dezenas de municípios; e uma invasão a sistemas industriais pode paralisar colheitas ou afetar o abastecimento.
Casos internacionais reforçam o alerta. Em Israel, sistemas automatizados de irrigação foram invadidos, obrigando produtores a interromper processos digitalizados e operar manualmente. Nos Estados Unidos, uma das maiores cooperativas agrícolas do país sofreu um ataque que paralisou operações essenciais e exigiu pagamento milionário em resgate para liberação de sistemas.
O caso da JBS, que precisou paralisar plantas industriais após um ataque global, segue como um dos exemplos mais emblemáticos do impacto que ofensivas digitais podem causar na cadeia de alimentos. No Brasil, reportagens recentes destacam que cooperativas já vivem uma “guerra invisível” contra cibe ameaças, e diversas empresas de logística, sementes e armazenagem relatam tentativas constantes de invasão, muitas delas bem-sucedidas.
Diante desse cenário, Paulo defende que o agronegócio seja tratado como infraestrutura crítica, tal como energia ou saúde. Com quase 25% de participação no PIB brasileiro, o setor tem impacto direto no abastecimento, nos preços dos alimentos e na própria segurança nacional. “Onde há dados, há risco. E proteger esses dados é proteger o próprio negócio”, afirma. Para ele, acompanhar o avanço da conectividade no campo exige abordagens especializadas, que incluem monitoramento remoto contínuo, análise comportamental de dispositivos, visibilidade em tempo real e respostas automatizadas a incidentes. “O tempo de reação, é tão importante quanto o controle de pragas ou a previsão climática”, alerta.
Mas mais do que ferramentas, falta cultura. A transformação digital precisa vir acompanhada de uma transformação de mentalidade. “O ciberataque não é uma possibilidade remota, mas uma realidade crescente”, reforça o especialista. Isso significa incorporar práticas de segurança desde o planejamento de uma fazenda conectada até a rotina de cooperativas, armazéns e transportadoras. Treinamentos, auditorias, atualização de firmware e simulações de incidentes passam a ser tão essenciais quanto investimentos em máquinas e infraestrutura.
Em um mundo onde o alimento do futuro será cada vez mais digital, cresce a consciência de que a integridade dos dados é tão determinante quanto a fertilidade do solo. Em uma cadeia de produção interligada e complexa, proteger o campo é proteger a economia, o abastecimento e a soberania. “A cibersegurança deixa de ser um tema restrito à TI para se tornar parte central da competitividade e da sustentabilidade do agronegócio brasileiro”, encerra.
Fonte: Alexandre Ribeiro



