*Por Filipe Denki
A crise do setor agrícola tem tomado os noticiários do país. Somente em 2023, houve um recorde de pedidos de recuperação judicial no setor e, em 2024, alcancou 214 pedidos, uma alta de mais de 500% se comparado a 2022, conforme dados recentes apresentados pelo Serasa.
Mas será que a recuperação judicial deveria ser recomendada para todo tipo de produtor rural? Para Filipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados e especialista em Direito Empresarial, um dos maiores obstáculos da atualidade para o produtor rural em dificuldades financeiras que busca sua reestruturação e a exclusão de diversos créditos dos procedimentos recuperacionais está na cédula de produtor rural de liquidação física (CPR física).
“Ambas são opções, mas a recuperação extrajudicial para o produtor rural que tiver alto endividamento com CPR física pode ser uma alternativa melhor”, explica. “A Cédula de Produto Rural (CPR) é um instrumento de crédito que permite ao produtor e/ou cooperativas agrícolas captar recursos para financiar a atividade rural mediante a entrega futura do produto ou de recursos financeiros, de acordo com a data, local e características de conformidade, qualidade e valores expressos no título”, complementa o advogado.
A CPR foi criada nos anos 1990, com o objetivo de incentivar o financiamento privado no agro, sendo um título que pode circular sob endosso do credor, admitindo mudanças por meio de aditivos. Esta funcionalidade dá liquidez ao instrumento ao possibilitar negociações por meio de novos agentes financeiros, que têm o interesse na rentabilidade da cédula, e não diretamente no produto em si objeto do título.
“Existem duas modalidades de CPR: a financeira e a física. A financeira, como o seu próprio nome sugere, funciona como um título que permite a possibilidade de liquidação financeira, ou seja, o emitente poderá pagar em dinheiro o valor nela previsto em vez de entregar a produção propriamente dita; já a física o título determina ao emissor a entrega física do produto agrícola ao credor, ela permite ao produtor rural antecipar a venda de sua produção antes mesmo da colheita, podendo ocorrer a antecipação parcial ou integral do preço ou representativa de operação de troca por insumos (barter)”. O especialista destaca que a CPR funciona como um contrato de compra e venda, onde o produtor se compromete a entregar uma quantidade específica de um produto agrícola em um local e data determinados, com qualidade pré-definida.
Com advento da Lei nº 14.112/20 foi alterada a redação do art. 11 da Lei nº 8.929/94 para afastar a CPR física da recuperação judicial, ou seja, não poderão ser renegociadas e alcançadas em decorrência de processo de recuperação. “Ocorre que, nada dispôs o legislador sobre a submissão da CPR física da recuperação extrajudicial, já que o referido art. 11 da Lei da CPR trata especificamente da não submissão a recuperação judicial, e por este motivo, entendemos que os aludidos títulos estão sujeitos a recuperação extrajudicial”, afirma Denki.
Por isso, o advogado defende que a recuperação extrajudicial poderá ser uma alternativa eficaz para o produtor rural em dificuldade econômico financeira que possui muitas operações atreladas a operações com cédula de produtor rural física. “A recuperação extrajudicial, apesar de não ser tão famosa e ganhar os holofotes como sua “irmã”, a recuperação judicial, é um importante instrumento de reestruturação empresarial”, defende.
Assim como a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial está prevista na Lei nº 11.101/05 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas), tratando-se ambas de instrumentos para a recuperação de empresas e mais recentemente para o produtor rural.
Recuperação Extrajudicial: como funciona?
A recuperação extrajudicial ou “’recuperação branca” como alguns a chamam, é um acordo privado, entre devedor e credor. É uma proposta de recuperação apresentada pela empresa para um ou mais credores, fora da esfera judicial. Pode ser proposta em qualquer condição, a qualquer credor, desde que não haja impedimento legal.
Denki explica que a lei permite que o empresário em crise econômico-financeira possa propor e negociar um plano de recuperação diretamente com os credores. “Nessa oportunidade, novos prazos e valores poderão ser estabelecidos a fim de verificar viabilidade ao contínuo da atividade empresarial”.
Dentre os meios de recuperação que poderão ser utilizados estão o deságio da dívida, carência, parcelamentos, alteração dos encargos contratuais, taxa de juros, além dos demais previstos no art. 50 da lei recuperação.
“Optando o produtor rural pela recuperação extrajudicial os créditos vinculados a CPR’s físicas deverão ser classificadas como garantia real já que é na operação é dado em garantia penhor agrícola (semoventes e grãos), modalidade de garantia real”, explica.
Com a submissão da CPR’s físicas a recuperação extrajudicial os grãos dados em garantia deverão ser liberados para comercialização para que o produtor rural posso ter liquidez para manter sua operação e pagar os compromissos assumidos com a aprovação do plano de recuperação.
“Em tempos de crise, a recuperação extrajudicial é uma alternativa que ganha relevância na reestruturação empresarial levando em conta sua celeridade e o baixo custo comparado à provocação jurisdicional, e ainda ajuda a evitar a judicialização de parte dos conflitos decorrentes da crise causado pelo coronavírus que poderá levar o colapso do judiciário, sem falar que no insucesso da recuperação extrajudicial poderá ser proposto na sequência pedido de recuperação judicial”, acrescenta.
“É importante o produtor ter em mente que sua demora na busca de remédios para mitigar ou solucionar os efeitos da crise poderá resultar no não alcance dos efeitos pretendidos, que é a recuperação de sua atividade. A recuperação extrajudicial poderá ser um poderoso aliado no combate a crise das empresas, mas deste que proposta no momento certo (timing)”, conclui Denki.
*Filipe Denki – Sócio do Lara Martins Advogados. Mestrando em Direito – Núcleo de Direito Comercial na PUC/SP. Formação Executiva em Turnaround Management pela FGV/SP. Especialista em Direito e Reestruturação de Empresas e Produtor Rural. Diretor Secretário da Comissão Nacional de Recuperação Judicial e Falência da OAB.
Fonte: Natasha Guerrize