Pesquisa efetuada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas, no câmpus da Unesp em Franca, avaliou o impacto que as linhas de crédito oferecidas pelo Programa ABC tiveram na adoção de tecnologias e práticas sustentáveis pelos produtores rurais de Minas Gerais. Hoje chamado de RenovAgro, o Programa está inserido em uma iniciativa mais ampla promovida pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para estimular a agricultura de baixo carbono no país, chamada Plano ABC.
O estudo, conduzido pelo engenheiro agrônomo Marcelo Odorizzi de Campos, apontou que o Programa ABC foi eficiente em reduzir a área de pastagens semidegradadas e no aumento das pastagens sem degradação. Essa mudança, mostraram os dados, ficou concentrada principalmente nos municípios que tiveram mais acesso ao crédito do programa, que também eram aqueles que já apresentavam a maior atividade agrícola no estado. A avaliação da política pública e a constatação de seu impacto positivo para os objetivos do programa são especialmente relevantes quando se observa o contexto da produção pecuária brasileira e a sua relação com o problema crônico das pastagens degradadas no país.
Em 2024, o rebanho bovino brasileiro alcançou a marca histórica de 238,6 milhões de cabeças, reforçando a posição do país como maior produtor e exportador mundial de carne. A principal característica da produção pecuária nacional, e segundo alguns especialistas, também uma de suas principais vantagens competitivas, é que 90% desse rebanho é produzido em pastagens, tida como uma das formas mais baratas de se alimentar os animais. Não à toa, estima-se que 160 milhões de hectares do território brasileiro sejam aproveitados como pastos, o que equivale a quase 40 vezes o território da Suíça.
O lado preocupante desse cenário, entretanto, é que alguns estudos apontam que mais de 100 milhões de hectares dessas pastagens apresentam algum grau de degradação, uma área superior à soma das três principais culturas de maior interesse econômico do país: a soja, o milho e a cana-de-açúcar. Além de prejudicarem a produtividade dos rebanhos, por causa da menor quantidade de alimento disponível, áreas degradadas apresentam menor fertilidade no solo, reduzindo a sua capacidade de capturar o carbono e ampliando as emissões de gases do efeito estufa.
Recuperar pastagens degradadas é objetivo estratégico
Não à toa, a recuperação dessas áreas tornou-se uma das principais estratégias do Brasil para a mitigação da mudança climática, com amplo destaque na Política Nacional sobre Mudança do Clima e nos compromissos assumidos pelo país no âmbito do Acordo de Paris, em 2015. Tendo em vista os compromissos internacionais e os impactos econômicos e ambientais das pastagens degradadas, nos últimos anos governos têm adotado uma série de políticas públicas que, direta ou indiretamente, estimulam o investimento na melhoria dos pastos brasileiros.
O tema está presente tanto no Plano Safra, principal iniciativa de crédito rural do país, quanto no Pronaf, uma “versão” do programa voltado para a agricultura familiar. Outro exemplo é o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Áreas Agrícolas Sustentáveis (PNCPD), lançado em 2023, e que tem como objetivo recuperar até 40 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030.
O trabalho de Odorizzi em conjunto com outros pesquisadores da Unesp teve o foco especificamente no Programa ABC e foi publicado na revista Environmental Development e contemplou o período entre 2013 e 2020. Além da recuperação das pastagens degradadas, a iniciativa também busca fomentar outras práticas sustentáveis, como a adoção de sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, aplicação de plantio direto, a fixação biológica de nitrogênio, o plantio de florestas e o tratamento de dejetos animais.
Segundo os autores, o fluxo de créditos do Programa ABC alcançou, de fato, os municípios com maior quantidade de pastagens degradadas. Além disso, essas regiões contempladas pelo programa concentraram a maior redução de áreas de pasto degradado. O trabalho apontou que os municípios que acessaram os créditos do Programa concentravam, em média, 16,5% das pastagens degradadas do estado, enquanto os municípios que não acessaram o crédito abrigavam, em média, 9,6% das áreas degradadas.
Em linha com as pastagens degradadas, o levantamento também observou que os créditos do Programa ABC foram acessados em maior frequência e com maiores valores em municípios com maior número de cabeças de gado (média de 58,8 cabeças por produtor nos municípios com acesso aos créditos do programa, contra 34,9 daqueles sem acesso).
Aumento na área de pastagens saudáveis
Cabe mencionar que, segundo os dados da rede MapBiomas, entre 2013 e 2020, janela analisada pelo artigo, houve uma redução de mais de 40% nas pastagens semidegradadas em Minas Gerais. Ao mesmo tempo, também foi observado um aumento de 13,4% nas pastagens “saudáveis” no estado. Não houve uma alteração estatisticamente relevante quanto às pastagens degradadas no período.
Fonte: Unesp