O trigo cultivado no período da segunda safra (safrinha) sem irrigação após a colheita da soja vem ganhando cada vez mais espaço nas lavouras do Cerrado do Brasil Central. Estima-se que nesta safra devem ser semeados cerca de 200 a 250 mil ha do cereal na região. O cultivo tem avançado principalmente entre produtores que desejam diversificar culturas, mitigar problemas e diminuir riscos, ou mesmo para aproveitar áreas que ficariam em pousio ou seriam cultivadas com plantas de cobertura.
Com o desenvolvimento de cultivares mais adaptadas à região, o trigo tem sido adotado no sistema de cultivo em plantio direto, principalmente em sucessão à soja e em rotação com o milho e o sorgo, diversificando o sistema de produção e diminuindo riscos. A inserção do cereal em rotação no sistema tem proporcionado inúmeros benefícios agronômicos, como a quebra do ciclo de pragas e doenças na área, principalmente fungos de solo, plantas daninhas e nematoides.
Outro benefício é a possibilidade de rotação de princípios ativos de defensivos agrícolas, como herbicidas que podem agir no controle de plantas daninhas resistentes ao glifosato usado nas lavouras de soja RR, bem como no controle de plantas de soja germinadas após a colheita, contribuindo com o vazio sanitário da cultura e para eliminar plantas tigueras de cultivos de milho na área. “Assim, o cultivo do trigo tem proporcionado o controle de plantas daninhas, além de fornecer uma excelente palhada, favorecendo o plantio direto nas áreas”, aponta o pesquisador Jorge Chagas, da Embrapa Trigo (Passo Fundo, RS).
A adoção do trigo após a soja permite que o produtor utilize cultivares de soja com ciclos mais tardios e, consequentemente, com tetos produtivos superiores aos de variedades precoces e superprecoces semeadas visando ao cultivo do milho safrinha. Outro ponto positivo é que o grão produzido na região do Cerrado é o primeiro trigo a ser colhido na safra no Brasil, podendo ser comercializado a preços mais atrativos.
“Como a colheita do trigo safrinha é realizada no período seco, entre os meses de junho e julho, isso tem garantido um produto de excelente qualidade tecnológica de grãos e livre das micotoxinas que costumam afetar lavouras do Sul do País em anos de muita chuva na colheita”, observa Júlio Albrecht, pesquisador da Embrapa Cerrados (DF). Os rendimentos das lavouras têm variado de 35 a 65 sc/ha em anos de precipitação normal, e as receitas com as vendas têm agradado os produtores e estimulado a ampliação da área cultivada na região.
Produtores devem estar atentos às recomendações de manejo
Os pesquisadores ressaltam que o trigo de sequeiro é indicado para cultivo em regiões com altitude igual ou acima de 800 metros. O produtor interessado nessa opção de cultivo deve verificar se o trigo safrinha é indicado para a sua região e quais cultivares são adequadas. As portarias com as informações sobre o zoneamento agrícola de risco climático para o trigo estão disponíveis na página do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e no aplicativo Zarc Plantio Certo, da Embrapa, disponível para Android e iOS.
Eles recomendam que seja feita a análise do solo, que deve ser corrigido quanto à acidez com o uso de calcário, enquanto o alumínio em profundidade deve ser neutralizado com o uso de gesso agrícola. O solo também deve estar livre de camadas compactadas, o que permite o aprofundamento das raízes das plantas e o melhor aproveitamento de água e nutrientes, além de minimizar os efeitos dos períodos secos, como os veranicos.
Outra medida recomendada para amenizar os problemas com a falta de chuvas é o plantio direto, com a semeadura direta sem a incorporação da palhada da cultura de verão. A palhada protege o solo das altas temperaturas, amenizando a perda de água por evapotranspiração, além de permitir maior infiltração da água das chuvas, entre outros benefícios.
Para obtenção de maiores produtividades, a semeadura deve ser realizada do início de março até o final do mês, de acordo com as precipitações na região – onde as chuvas param mais cedo, o trigo safrinha deve ser plantado no começo do mês. O escalonamento da semeadura, ou seja, a semeadura das áreas em diferentes momentos dentro do período recomendado, ou a semeadura de cultivares de ciclos diferentes, são estratégias interessantes.
“Assim, a lavoura terá talhões com plantas em diferentes estádios de desenvolvimento, o que reduz o risco de a falta de chuva atingir todo o plantio em um único momento crítico, como a floração das plantas”, diz Jorge Chagas. É também fundamental seguir as recomendações de manejo de cada cultivar para a região, como a densidade ideal de semeadura.
O pesquisador acrescenta que, no início da janela de plantio, é importante o uso de cultivares mais tolerantes a doenças, principalmente as manchas foliares e a brusone, doença fúngica que, na região do Cerrado do Brasil Central, pode causar prejuízos em anos com excesso de chuvas nos meses de abril e maio. Já para semeaduras mais tardias, após o dia 15 de março, o produtor deve semear cultivares mais tolerantes à seca. A baixa precipitação e temperaturas acima do normal também podem causar prejuízos, principalmente pela ocorrência de veranicos comuns nesse período.
Cultivar indicada pela Embrapa
A cultivar de trigo BRS 404 foi desenvolvida para condições de baixa precipitação, aproveitando a umidade do solo e o restante das chuvas dos meses de março, abril e maio. A cultivar tem como principais características maior tolerância ao déficit hídrico, ao calor e ao alumínio no solo, além de maior produção de matéria seca (palhada) e excelente qualidade tecnológica de grãos. Apresenta ciclo precoce, variando de 105 a 118 dias, sendo que o período entre a semeadura e o espigamento é de 57 a 67 dias, dependendo do local e da altitude do cultivo. É moderadamente suscetível à brusone e à mancha amarela.
“Em algumas regiões com maior volume de chuvas, como o Sul de Minas Gerais, os produtores têm alcançado produtividades de até 75 sc/ha com a BRS 404. Já no Planalto Central, a produtividade pode chegar a 60 sc/ha, desde que as chuvas tenham boa distribuição no período de safrinha”, informa Júlio Albrecht.
Classificada pela indústria como trigo pão, a cultivar, mesmo em anos secos, tem entregado pesos hectolítricos (PH) de grãos acima de 80 kg/hl, sendo muito bem aceita pelos moinhos da região. A força de glúten (W), medida que representa o trabalho (energia) de deformação da massa e indica a força de panificação da farinha, varia de 250 a 400 x 10-4 J, sendo bem superior à exigência mínima dos moinhos (220 x 10-4 J). Também apresenta elevada estabilidade (tempo de batimento da massa acima de 15 minutos), o que favorece a panificação.
Fonte: Embrapa Cerrados