Como instrumento de tutela da proteção animal
A discussão sobre a capacidade processual dos animais ganhou força com o caso do abandono de 600 búfalos em uma fazenda em Brotas, no interior de São Paulo. Crédito: Gabriel Schilckmann
Não é incomum a descoberta de graves violações aos direitos dos animais. Um dos exemplos recentes foi a situação precária a que centenas de búfalos estavam sendo submetidos em uma fazenda em Brotas, no interior de São Paulo, em novembro. A notícia mobilizou diversos setores e entidades, reacendendo a discussão sobre a efetividade da tutela exercida sobre seres não-humanos. O fato é que a Constituição Federal já reconhece dignidade própria aos animais que são sujeitos de direitos fundamentais protegidos.
“A importância do Direito Animal no ordenamento brasileiro deriva da vedação da crueldade com os animais, prevista na última parte do inciso VII do §1º do artigo 225 da Constituição Federal, a qual “constitui proteção autônoma, devendo-se resguardar os animais contra atos cruéis independentemente de haver consequências para o meio-ambiente, para a função ecológica da fauna ou para a preservação das espécies”, explicam Henrique de Araújo Gonzaga e Rebeca Stefanini Pavlovsky, advogados especialistas na área ambiental do escritório Cescon Barrieu Advogados.
De acordo com os especialistas, extrapolando o debate dogmático, os atributos da proteção constitucional conferida aos animais geram efeitos processuais relevantes, possibilitando o acesso à justiça desses seres vivos para a defesa de direitos subjetivos e ampliação da proteção animal por vias, até então, desconhecidas pelo Direito. Além de conferir a tutela mediata pleiteada na ação judicial, o reconhecimento da capacidade processual dos animais fomenta, ainda, uma mudança cultural na sociedade, pois o fato de os animais estarem aptos a postular direitos perante os tribunais com o intuito de assegurar seu bem-estar, tem um significado simbólico importante, o que contribui para a conscientização social em torno do tema.
“A capacidade de ser parte decorre da garantia constitucional e, somado a isso, o Código de Processo Civil confere capacidade ao animal de estar em juízo, estabelecendo que ‘toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo’”, explica Henrique de Araújo Gonzaga.
Diante disso, os advogados esclarecem que ao mencionar a capacidade processual dos animais de serem parte em um processo processual, é sabido que os mesmos não possuem discernimento civil e nem mesmo aptidão técnica processual, como já ocorre com as pessoas que apresentam qualquer grau de incapacidade. Sendo assim, a representação processual dos animais é plenamente possível desde que se vise alcançar a maior tutela possível de direitos desses seres.
Desde o ano de 1934, o Decreto Federal n. 25.645, promulgado à época sob forma de lei ordinária, reconhece a capacidade processual dos animais ao dispor em seu art. 2º, parágrafo 3º, que os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais. Além disso, tramita perante o Legislativo o Projeto de Lei n. 145/21, que visa alterar o Código de Processo Civil para permitir que animais possam ser, individualmente, parte em processos judiciais, mediante representação pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por associações de proteção dos animais ou por quem detenha sua tutela ou guarda. O texto do PL, de autoria do deputado Eduardo Costa, foi apresentado à Câmara dos Deputados em 02.02.2021 e aguarda relatório da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
“O Direito deve evoluir em consonância com o avanço do processo civilizatório e ser interpretado à luz do mandamento constitucional, extrapolando-se o reconhecimento de dignidade apenas aos humanos. E é justamente nesse sentido que decisões judiciais recentes e a própria discussão do tema pelo Legislativo possibilitam que o Direito avance em novos e eficientes instrumentos de tutela animal”, diz Rebeca Stefanini Pavlovsky.
Para os advogados, é devido permitir que os animais participem de ação judicial na qual são defendidos seus direitos fundamentais e subjetivos, reconhecendo que o espaço da humanidade não é de superioridade e dominação, mas de coexistência pacífica. “Portanto, a possibilidade de judicialização, por meio do reconhecimento da capacidade de ser parte dos animais e da sua dignidade própria, constitui-se como mais um importante meio de defesa animal”, finalizam os especialistas.
Fonte: Tree Comunicação