Pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) desenvolveram um método prático para estimar a necessidade de calagem, com base nos atributos químicos do solo e na composição do calcário. O estudo acaba de ser publicado na revista internacional Soil & Tillage Research, uma das mais prestigiadas revistas internacionais na área de ciência do solo, e busca responder a um dos grandes desafios da agricultura em regiões tropicais: a alta acidez e a baixa fertilidade natural dos solos.
Fruto de dez anos de pesquisas e de quase três décadas de experiência do professor Silvino Guimarães Moreira, da Escola de Ciências Agrárias de Lavras (Esal/UFLA), com estudos sobre calcário, o método leva em conta a relação entre cálcio, magnésio e pH do solo, permitindo estimar doses específicas para duas profundidades: de 0 a 20 cm e de 0 a 40 cm — sendo esta última o principal foco do trabalho. Ao contemplar a correção em camadas mais profundas, a metodologia favorece a melhoria da fertilidade do subsolo e amplia o volume explorado pelas raízes.
O estudo vem sendo realizado para melhorar as estimativas de cálculo de doses de calcário, uma vez que os métodos atualmente disponíveis acabam por subestimar as quantidades necessárias quando se objetiva corrigir o pH do subsolo, sobretudo em áreas agrícolas novas. Como observa o professor Silvino Moreira, ao subestimar as doses necessárias, tornam-se necessárias reaplicações e atrasos na correção da acidez, com impactos econômicos relevantes, sobretudo em áreas arrendadas, em que o tempo de retorno da calagem não acompanha o ciclo produtivo.
Resultados expressivos em campo
Para chegar ao novo método, foram conduzidos sete experimentos de campo em diferentes municípios de Minas Gerais e abrangendo diferentes condições edafoclimáticas, ao longo de quatro anos (14 safras). Os municípios que receberam os experimentos foram: Ijaci, Nazareno; Ingaí; Uberlândia; Araguari; São João del Rei e Formiga. Nesses locais, os pesquisadores avaliaram diferentes doses de calcário incorporadas até 0,40 m de profundidade. De acordo com o professor Silvino, essa diversidade geográfica e temporal confere robustez aos resultados, garantindo que as conclusões não sejam pontuais, mas representativas de diferentes realidades de solo e clima.
Os resultados mostraram ser possível aumentar a produtividade das culturas anuais e a resiliência destas culturas aos déficit hídricos, comuns nas condições de cultivos de sequeiro na região sob Cerrado, especialmente na segunda safra. Isso foi possível com níveis mais elevados de cálcio e magnésio no solo não só na camada de 0 a 20 cm, mas também na camada de 20 a 40 cm. O estudo define novos níveis críticos para os nutrientes cálcio e magnésio no solo para estas duas camadas de solo, os quais são maiores do que os tradicionalmente recomendados. Em lavouras de milho de segunda safra submetidas a veranicos severos, a aplicação baseada na nova metodologia proporcionou ganhos de produtividade superiores a 50%. Em lavouras de soja houve ganhos de até 30%. O efeito foi atribuído ao maior desenvolvimento radicular em profundidade, o que permitiu às plantas acessar água e nutrientes mesmo em períodos de déficit hídrico. Nas fotos da lavoura de milho é possível verificar a diferença no desenvolvimento das plantas, com dose de 3 t/ha de calcário (primeira foto de milho) e com 12 t/ha de calcário (segunda foto de milho).
O produtor Evandro Ferreira, da Fazenda Campo Grande, em Nazareno, considera que a pesquisa foi um divisor de águas na busca por altas produtividades na região. “As chamadas “altas doses de calcário” não representam excesso, mas sim a aplicação criteriosa e ajustada às reais necessidades do solo”, pontuou.
O método mostrou que, para atingir 95% da produtividade das lavouras anuais, é preciso garantir 60% de cálcio na camada de 0 a 20 cm do solo e 39% na camada de 20 a 40 cm. A partir desses resultados, foi criada uma fórmula prática que permite ao produtor calcular a necessidade de calagem de maneira mais precisa, considerando também o teor de magnésio. A proposta de recomendação foi especialmente desenvolvida para correção de solos para implantação de culturas anuais sobre sistema de plantio direto (SPD) ou para reabertura de áreas atualmente em uso, mas que não tiveram uma correção adequada. A proposta também já começa a ser testada em lavouras de café.
Impactos para a sociedade e para a agricultura
A expectativa é que o método tenha impacto direto na agricultura brasileira, sobretudo em regiões como o Cerrado, onde a produção de grãos depende fortemente da correção da acidez do solo. Com uma recomendação mais precisa de calagem, produtores podem alcançar maior eficiência no uso de insumos, reduzir custos a longo prazo e aumentar a resiliência das lavouras frente às variações climáticas, contribuindo para a segurança alimentar e para a sustentabilidade do setor agrícola nacional.
“Trata-se de uma contribuição relevante não apenas para a agricultura mineira, mas também para outras regiões tropicais, onde solos ácidos e altamente intemperizados impõem sérias limitações à produção agrícola”, considera o professor Silvino.
A tradição da UFLA em ciência do solo
A pesquisa também reforça a tradição da UFLA em estudos de fertilidade e manejo de solos. Reconhecida como referência nacional e internacional na área, a Universidade tem sido responsável por importantes avanços científicos que orientam práticas agrícolas mais eficientes e sustentáveis, apoiando tanto o desenvolvimento do agronegócio brasileiro quanto a preservação dos recursos naturais. O projeto contribui ainda para a formação de uma nova geração de especialistas em solos tropicais, unindo base científica e experiência prática no campo.
Além do professor Silvino Guimarães Moreira, o artigo publicado teve a participação dos pesquisadores Josias Reis Flausino Gaudencio, Flávio Araújo de Moraes, Everton Geraldo de Morais, Devison Souza Peixoto, Hugo Carneiro de Resende, Júnior Cézar Resende Silva, Otávio Lopes Vieira Campos, todos da Esal/UFLA, dos departamentos de Agricultura (DAG/UFLA) e Ciência do Solo (DCS/UFLA). Eles fazem parte do Grupo de Pesquisa em Sistemas de Produção (GMAP), que atualmente reúne cerca de 30 estudantes de graduação, mestrado e doutorado, desenvolvendo pesquisas voltadas ao manejo de solos tropicais.
O presente estudo teve início com a tese de doutorado de Flávio Moraes (2017), realizada no Sul de Minas, sendo ampliado em 2018 pelas dissertações de Júnior Cézar Silva e Josias Gaudêncio, em experimentos conduzidos na região do Triângulo Mineiro.
Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS