“A suspensão da Moratória da Soja pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) é uma medida grave, sem precedentes, que não contribui para a discussão sobre a necessidade e os limites das iniciativas privadas voluntárias em prol da agenda ESG, especialmente das questões de sustentabilidade ambiental”. A opinião é do advogado Frederico Favacho, sócio da área de agronegócios do Santos Neto Advogados, escritório que atende principais players do setor, sobre a decisão da Superintendência-Geral do órgão de suspender, de forma preventiva, o acordo privado que impede a comercialização de soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia Legal depois de 2008, ainda que as áreas sejam permitidas pelo Código Florestal.
Também foi instaurado um procedimento administrativo contra as tradings exportadoras de soja, empresas especializadas no comércio do grão, que compram de produtores e vendem para diversos destinos, incluindo processadores e exportadores, e associações do setor que são signatárias da Moratória da Soja.
A ação no Cade começou a partir de uma representação da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. Em 2024, a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso também havia apresentado uma denúncia formal ao órgão administrativo alegando práticas anticoncorrenciais das trandings que fazem parte do acordo. Neste ano, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) pediu ao órgão administrativo providências imediatas sob alegação de que a moratória causa danos direitos aos produtores.
Segundo Frederico Favacho, autoridade no setor, a decisão do Cade “ignora que a Moratória é um acordo multissetorial com a participação de ONGS e do Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, assim como também ignora as manifestações recentes da Advocacia Geral da União, do Ministério Público Federal e, mais recentemente, do próprio Ministério do Meio Ambiente, em favor da moratória.
Além disso, de acordo com o advogado especialista que lida com a questão diariamente, “a decisão cria o embaraço para o Brasil no ano da COP30 a ser realizada no país”.
Ieda Queiroz, advogada especialista em contratos e coordenadora do setor de agronegócios do CSA Advogados, tem outra opinião. “O assunto envolve um debate complexo. A questão principal é o reconhecimento de que qualquer movimentação em direção à aplicação ou não da moratória onera não só produtores localizados no bioma amazônico, mas o setor como um todo. Os danos reputacionais relacionados à moratória acabam contribuindo para a imagem de vilão ambiental atribuída ao setor, quando a moratória sequer é objeto de regulamentação”, afirma.
Queiroz explica que as empresas privadas que atuam na originação e exportação de produtos do complexo da soja e algumas associações do setor que adotam a moratória, utilizam o critério de desmatamento zero no bioma amazônico a partir de 22 de julho de 2008 (data de corte aplicada para discussão da regulamentação do Código Florestal), independentemente de o desmatamento ser legal ou não.
Ocorre que a legislação brasileira aplicável à matéria (Código Florestal), que entrou em vigor em 2012 e se tornou referência mundial, adota uma métrica diferente: além do critério temporal, que é maio de 2012 (e não julho de 2008), impõe ao produtor que queira desenvolver atividades em determinada propriedade o dever de cuidado e manutenção (ou, conforme o caso, de restauração) da vegetação original pelo produtor rural, que deve variar entre 20% e 80% do total da área da propriedade, conforme o bioma onde está inserida a propriedade. No caso do bioma amazônico, o produtor deve preservar pelo menos 80% e utilizar até 20% da área para produção agrícola.
“Com a aplicação da moratória pelas tradings, os produtores do bioma amazônico que cumprem a legislação e atuam dentro dos limites concedidos pelo Código Florestal estão tendo problemas caso a área da plantação tenha sido aberta após a 2008. Ou seja, um acordo comercial é soberano em relação à legislação federal. Esse impacto é importante porque 95% da produção de soja brasileira é comercializada por meio das tradings que fazem um processo de triagem ao receber o produto em seus armazéns para exportação”, pondera Ieda Queiroz.
Fonte: “Priscyla Costa”