O Brasil consome entre 12 e 13 milhões de toneladas de trigo por ano, mas produz apenas de 8 a 9 milhões, segundo a Conab (2024). O déficit, de cerca de 5 milhões de toneladas, que representa aproximadamente 40% da demanda, é suprido principalmente por importações da Argentina, Uruguai e Canadá.
Resultados de campo que foram apresentados na 17ª Reunião da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale (RCBPTT), na primeira quinzena de agosto em Passo Fundo (RS), indicam que a biotecnologia HB4® em trigo pode ajudar a reduzir essa dependência. Os dados mostram ganhos médios de 6% a 8% na produtividade do trigo em cenários de déficit hídrico leve e de até 15% a 17% em condições mais restritivas.
A biotecnologia, desenvolvida pela Bioceres Crop Solutions, em parceria com a francesa Florimond Desprez, por meio da joint venture Trigall Genetics, utiliza um gene do girassol (HaHB4) que confere maior tolerância à seca, reduzindo perdas de produtividade em situações de estresse hídrico. Segundo o gerente-geral da Trigall na América Latina, Lorenzo Mattioni Viecili, a presença do gene permite que a planta mantenha a produção em anos de estiagem, quando cultivares convencionais registram perdas significativas. “Para o produtor, isso significa mais segurança na lavoura e lucratividade, que refletem tanto dentro da porteira, quanto para toda a cadeia do trigo”, comentou.
Ensaios no Brasil
No país, a Trigall aporta a biotecnologia HB4®, enquanto os ensaios estão sendo conduzidos em parceria com a Embrapa Trigo, que avalia linhagens adaptadas às condições brasileiras, com foco em áreas de déficit hídrico, como o Cerrado. Nessas regiões irrigadas, a produtividade média chega a 6 toneladas por hectare, o dobro da nacional. “A expectativa é que o trigo HB4® ganhe espaço no Brasil Central, que produz um trigo de alta qualidade, contribuindo para o suprimento nacional e para a nossa balança comercial”, destacou Jorge Lemainski, chefe-geral da instituição.
Indústria acompanha com interesse
|A Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), também acompanha a evolução da biotecnologia. Durante o Fórum Nacional do Trigo, realizado em conjunto com a 17ª RCBPTT, o presidente-executivo da instituição, Rubens Barbosa, destacou a relevância do trigo HB4®. Para os moinhos, ampliar a produção interna significa mais regularidade no fornecimento e menor dependência de importações. Para Rubens, o aumento da produção interna é estratégico para os moinhos diante da possibilidade de expansão do cultivo no Cerrado. “A Abitrigo acompanha a evolução deste desenvolvimento tecnológico com interesse. Com a aprovação do governo brasileiro para cultivo e comercialização do trigo transgênico, o aumento da produção é bem-vindo por parte dos moinhos”, afirmou.
Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a área de trigo no Cerrado cresceu quase 120% entre 2018 e 2024, enquanto a produção aumentou 95%. Em 2024, o Brasil cultivou cerca de 450 mil hectares de trigo na região. Nas áreas irrigadas, o rendimento médio no Brasil Central chega a 6 toneladas por hectare, o dobro da média nacional.
Brasil na vanguarda da regulação internacional
A biotecnologia HB4® foi aprovada no Brasil em março de 2023 para plantio, consumo e comercialização. O país seguiu o pioneirismo da Argentina, que liberou o cultivo em 2020, e soma-se a outros grandes produtores mundiais que já adotaram a inovação, como Estados Unidos, Paraguai, Austrália e África do Sul. “Essas liberações reforçam o status da tecnologia como uma ferramenta estratégica para a agricultura em condições climáticas adversas e ampliam a confiança na sua adoção, além de abrir portas para exportações seguras, mitigando riscos de barreiras comerciais para produtos que contenham a biotecnologia”, explicou Lorenzo.
Resistência ao glufosinato em estudo
Além da tolerância à seca, os estudos com a biotecnologia pode ser tolerante ao herbicida glufosinato de amônio. Segundo Lorenzo, isso abriria a possibilidade de ampliar as opções de manejo após a emergência da cultura. No entanto, no Brasil, o uso desse produto em trigo ainda depende de registro oficial e indicação em bula e do cumprimento de orientações técnicas. “Os testes ainda estão em andamento e, se confirmada, essa característica deve ser vista como uma ferramenta adicional no controle de plantas daninhas, sem substituir as práticas consolidadas de Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD)”, explicou o gerente-geral da Trigall.
Biotecnologia tem ampla aceitação pelos consumidores
Um levantamento da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi), realizado em 2021 com mais de 3.100 entrevistados em 12 capitais brasileiras, mostrou que 72% dos consumidores não possuem restrições ao consumo de produtos feitos com farinha de trigo geneticamente modificada, ou seja, produzidos a partir de trigo com a biotecnologia HB4®. O resultado contribuiu para mudar o posicionamento do setor industrial, que deixou de se opor à biotecnologia ao identificar que a barreira de aceitação pelo consumidor final era menor do que se imaginava.
Primeiros lançamentos de trigo HB4®
O lançamento no Cerrado está previsto para final de 2026, onde serão oferecidas linhagens para licenciamento exclusivo para empresas que desejam ter cultivares de trigo HB4®. Já o lançamento comercial deve acontecer em 2027 nos portfólios de cultivares dos produtores de sementes. “Inicialmente teremos cultivares que atenderão as áreas irrigadas e de sequeiro no Cerrado. A expectativa é que a adoção comece com parcerias estratégicas com produtores tecnificados e moinhos. A médio prazo, espera-se que o HB4® represente uma parcela relevante das novas áreas de trigo em expansão no Cerrado brasileiro”, finalizou Lorenzo.
Fonte: Daniela Wietholer Lopes