A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reuniu-se nesta terça-feira (15) com representantes de entidades do setor produtivo para discutir os impactos do novo pacote tarifário anunciado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A medida, que prevê tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, pode entrar em vigor já em 1º de agosto e ameaça mercados estratégicos da economia nacional.
O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), alertou para a gravidade do cenário e cobrou ação imediata do governo federal. “Faltam apenas duas semanas para que as tarifas comecem a valer. O ideal seria que o governo se movimentasse com a mesma intensidade que temos adotado aqui no Congresso”, afirmou. Segundo ele, a bancada já atua em articulação com diplomatas, especialistas em comércio exterior e representantes das cadeias produtivas, tanto no Brasil quanto nos EUA.
Lupion destacou que os efeitos das sanções não se limitam ao Brasil. “Setores como celulose, açúcar, etanol, cacau, pescados, carne bovina, ovos, suco de laranja e café serão fortemente penalizados. E não apenas o Brasil sofrerá: a inflação nos Estados Unidos também tende a aumentar, já que esses produtos são essenciais e, em muitos casos, insubstituíveis no mercado internacional”, ressaltou.
O impacto pode ser significativo, especialmente para cadeias com forte dependência do mercado americano. Dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) indicam que, das 24 milhões de sacas consumidas nos EUA em 2023, 8,1 milhões foram exportadas pelo Brasil, que lidera o fornecimento da bebida ao país. “O Brasil é o maior fornecedor de café para os Estados Unidos, que têm 76% da população consumidora. Um não vive sem o outro”, avaliou Marcos Matos, diretor do Cecafé.
O setor de carnes também demonstrou preocupação com os impactos do pacote tarifário. Segundo Marcelo Osório, representante da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), os Estados Unidos são o segundo maior comprador da carne bovina brasileira, item fundamental na cadeia alimentar americana.
“Esse setor será um dos mais afetados, e isso terá um efeito colateral fortíssimo. Se houver sobra de carne bovina no mercado interno, isso vai pressionar negativamente o consumo de aves e suínos”, explicou Osório.
Ele destacou ainda os impactos para outros segmentos da proteína animal. “Na carne suína, por exemplo, cerca de 2% das exportações vão para os EUA, isso representa em torno de US$180 milhões por ano. Pode parecer pouco, mas é um volume relevante.” Já o setor de ovos é o mais vulnerável: ainda que represente menos de 1% das exportações brasileiras, os Estados Unidos são destino de mais de 60% desse total. “Considerando que o país ainda enfrenta os efeitos da gripe aviária, especialmente em estados produtores como a Geórgia, acreditamos que pode haver recuo dos americanos, para evitar que o ovo volte a custar até um dólar por unidade por lá”, explicou.
Os pescados também foram mencionados como setor sensível. “Exportamos cerca de 1.300 toneladas de tilápia por mês para os EUA, o que gira em torno de 3 milhões de dólares. É uma cadeia que também merece atenção”, completou.
Já o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (UNEM), Guilherme Nolasco, alertou para os riscos de colapso no setor de biocombustíveis. “O etanol está na mesa de negociação com alta vulnerabilidade, principalmente porque os EUA têm uma matriz diferente da nossa. Enquanto lá o etanol e o açúcar são produzidos a partir de outras matérias-primas, no Brasil, três quartos da produção de etanol vêm da cana-de-açúcar, que pode ser convertida em açúcar caso seja necessário equilibrar o mercado.”
Nolasco destacou ainda a ameaça de quebra de um setor estratégico. “O etanol de milho é diferente. Trata-se de um setor que investiu R$ 40 bilhões nos últimos dez anos, gerando economia circular, empregos e desenvolvimento em regiões como o Nordeste, que tem a maior planta do setor. Uma invasão de etanol americano sem tarifa pode destruir um setor que levou quase meio século para se consolidar. Essa é a pauta número um dos americanos: a tarifa do etanol.”
Representando o setor madeireiro, Guilherme Rank, da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), pediu agilidade e planejamento por parte do governo federal. “Temos três pontos fundamentais. Primeiro, é urgente que o Brasil peça oficialmente uma prorrogação de 90 dias para a entrada em vigor das tarifas. Segundo, precisamos de um plano emergencial para mercadorias já embarcadas, que estão em alto-mar e podem gerar perdas financeiras gigantescas ao chegarem aos EUA. Por fim, solicitamos, de forma unânime, que não se aplique a lei da reciprocidade antes de esgotarmos todas as possibilidades de negociação até 1º de agosto.”
De acordo com análises de estudos apresentados por representante do setor, os impactos econômicos da nova tarifa de 50% imposta pelos EUA sobre produtos brasileiros tendem a ser significativos e assimétricos entre os setores. O suco de laranja, por exemplo, terá seus custos adicionais quintuplicados, passando de US$ 100 milhões para até US$ 500 milhões ao ano, justamente em um cenário de queda internacional de preços.
A carne bovina brasileira, que hoje lidera as exportações para os Estados Unidos, pode perder espaço para concorrentes como a Austrália, que paga tarifa de apenas 10%. No café, o Brasil, maior fornecedor do mercado americano, sofrerá com a disparidade tarifária frente a países como Vietnã (20%) e Etiópia (10%). O mesmo ocorre no etanol e no açúcar, setores em que o Brasil será o mais penalizado entre os principais exportadores globais.
Estratégia e diplomacia
Para o presidente da FPA, o momento exige atuação suprapartidária. “Nosso papel é de articulação, negociação e diplomacia. Estamos trabalhando para garantir ao menos a prorrogação do prazo e criar um espaço de entendimento antes do dia 1º de agosto”, afirmou Lupion.
A bancada está estruturando um grupo técnico com especialistas em comércio internacional como o ex-secretário do MDIC, Welber Barral. “Temos legitimidade e representatividade. A FPA é a maior frente parlamentar do Congresso Nacional e atua em cooperação com 59 entidades ligadas à agropecuária brasileira”, reforçou Lupion.
Segundo Lupion, a atuação não depende de convite formal por parte do Executivo. “Não vamos esperar o chamado de ninguém. Já estamos fazendo nossa parte, com pontes internacionais e articulação direta. Estivemos recentemente em Washington, na União Europeia, Argentina, Uruguai e Chile. Nossa presença global é real e ativa.”
Instabilidade global
Durante a reunião, Welber Barral classificou o “tarifaço” de Trump como parte de uma estratégia comercial agressiva, com motivações políticas claras. “Não se trata apenas da China. Estamos vendo um movimento com viés eleitoral que afeta diretamente o Brasil e outros parceiros estratégicos”, disse.
Segundo ele, as novas tarifas não miram apenas produtos brasileiros. Países como Vietnã, Mianmar, Laos e Canadá também estão na lista. “Trump utiliza justificativas políticas, como restrições à liberdade de expressão no Brasil e barreiras comerciais às importações dos EUA”, explicou.
Barral alertou para o impacto em cadeias como frutas, carnes, celulose, petróleo, aeronaves, minérios críticos e produtos farmacêuticos. Investigações em andamento nos EUA podem ampliar o escopo das sanções.
Ele também chamou a atenção para o plano conhecido como “Dia da Libertação”, que prevê tarifas base de 10% para todos os países, com majorações de até 200%. “Isso gera instabilidade tarifária global, com impacto direto em exportadores, investidores e consumidores”, disse.
O ex-secretário defendeu ações coordenadas e estratégicas. “A criação do comitê pelo vice-presidente Alckmin é importante, mas é preciso envolver o setor privado. Medidas na OMC e até ações jurídicas não podem ser descartadas”, afirmou. “Esse é um jogo complexo, que exige pragmatismo, diplomacia e inteligência estratégica.”
Escalada tarifária
Parlamentares da FPA reforçaram a importância de uma resposta articulada e institucional diante da escalada tarifária. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS) defendeu a construção de uma estratégia de comunicação clara. “Defendemos o agro e agora temos propriedade para debater. Precisamos definir interlocutores e organizar uma estratégia para negociar com os EUA.”
O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) alertou para os riscos de retaliação. “O melhor caminho é negociar. Se o Brasil responder com reciprocidade, o setor produtivo pode sofrer ainda mais sanções.”
Para o deputado Domingos Sávio (PL-MG), o contexto internacional reflete a instabilidade política brasileira. “Essa medida tem um componente político, reflexo da insatisfação dos EUA com o Executivo brasileiro e questões ligadas à liberdade de expressão. O Congresso pode contribuir ao trazer elementos específicos para o debate e melhorar o ambiente de negociação.”
Já o deputado General Girão (PL-RN) fez críticas diretas à condução do governo. “Nossa economia piora a cada dia e ficamos reféns de situações delicadas criadas por decisões do Executivo. Já passou da hora de adotarmos uma postura firme para proteger os interesses do país.”
Fonte: Imprensa FPA