A Reforma Tributária brasileira (EC 132/2023 e LC 214/2025) propõe substituir cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um IVA dual: CBS (federal) e IBS (estados/municípios), além do Imposto Seletivo. Apesar dos objetivos de simplificação, enfrenta desafios complexos.
Essa mudança exige um período de transição gradual e a regulamentação de diversos temas, como as alíquotas de referência, os regimes específicos para alguns setores, a partilha da arrecadação e a criação do Comitê Gestor. O sucesso da reforma dependerá da capacidade do governo em detalhar essas regras de forma clara e eficiente, garantindo a segurança jurídica e a adaptação de empresas e cidadãos ao novo sistema.
Vamos refletir sobre os principais problemas e desafios da reforma tributária:
1. Implementação (2026-2032)
A transição de sete anos exige que as empresas operem dois sistemas simultaneamente. Há escassez de mão de obra qualificada e necessidade de grandes investimentos em tecnologia e adequação de ERPs (Enterprise Resource Planning, em português, Planejamento dos Recursos da Empresa). Empresas precisam mapear processos, identificar benefícios fiscais e planejar cuidadosamente a adaptação.
2. Setor de Serviços
Com alíquota de 26,5%, o setor pode ter aumento de até 96% na carga tributária. Representa 70% do PIB e 60% dos empregos formais, mas não conseguiu regime diferenciado. A folha de pagamento (maior custo) não gera créditos, criando desvantagem competitiva. Riscos incluem repasse de custos, redução da demanda e perda de competitividade internacional.
3. Conflitos Federativos
O Comitê Gestor do IBS (54 membros) enfrenta disputas entre a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) para representação municipal. Estados e municípios temem perda de autonomia fiscal. A mudança do regime de origem para destino pode gerar perdas de arrecadação. O financiamento inicial de R$ 600 milhões pela União gera preocupações sobre sustentabilidade.
4. Guerra de Lobbies
O Agronegócio conquistou benefícios (isenção até R$ 3,6 mi, alíquota zero para 22 produtos), mas teme aumento de 5% para 28%. Onze setores obtiveram regimes diferenciados (saúde, educação, hotelaria), elevando a alíquota padrão para os demais. Cada exceção setorial contribui para aumentar a carga tributária dos outros setores.
5. Problemas Jurídicos
Superior Tribunal de Justiça projeta triplicação de processos (28.764 para 86.000). Incertezas sobre contencioso do IBS/CBS e harmonização entre CARF e Comitê Gestor. Lei Complementar com mais de 500 artigos aumenta a complexidade. Temas problemáticos incluem compensação de saldos credores de PIS, Cofins e ICMS, definição de base de cálculo e aplicação do Imposto Seletivo.
6 – Riscos Identificados
– Alíquota padrão entre 26,5% e 28% (uma das maiores do mundo)
– Descompasso entre decisões administrativas e judiciais
– Sobrecarga do Judiciário e insegurança jurídica
– Migração para economia informal
– Perda de competitividade internacional
– Complexidade adicional durante a transição.
Conclusão
O sucesso da reforma depende de superar disputas políticas, resistir à pressão por exceções e garantir regulamentação equilibrada. Exige grande esforço de adaptação empresarial, investimentos em tecnologia, qualificação profissional e governança técnica do Comitê Gestor. Com diálogo e transparência, é possível construir um sistema tributário mais justo e eficiente para todos os brasileiros.
Neste mar de complexidade que tem permeado a alteração de nosso sistema tributário tais meios não têm sido utilizados com a maestria e frequência.
A reforma tributária brasileira, embora busque simplificar o sistema, está imersa em um mar de complexidade e incertezas. A necessidade de uma longa transição, os impactos negativos sobre setores cruciais como o de serviços, os conflitos federativos e a pressão de lobbies criam um cenário que pode gerar mais problemas do que soluções. A falta de maestria e transparência na condução do processo sugere que, em vez de um futuro mais claro, a reforma pode trazer incalculáveis problemas para o ordenamento jurídico e a economia, reforçando a ideia de que, no Brasil, a incerteza permeia até mesmo o que está por vir.
Com todo este universo de incertezas e problemas sequer podemos parafrasear o Conselheiro Acácio (personagem do romance “O Primo Basílio”, do escritor português Eça de Queirós) em sua célebre quota: “Pode acontecer de tudo, inclusive o nada “ vez que “o nada” é a única certeza que temos que definitivamente não ocorrerá nesta tão conturbada Reforma Tributária.
Na impossibilidade de parafrasear Acácio, ficamos com a célebre frase de Roberto Campos que afirmou: “No Brasil até o passado é incerto”. Muito embora nossa kafkaniana Reforma Tributária cá está para o futuro, trará inúmeros e incalculáveis problemas para o ordenamento jurídico com que hoje convivemos.
Rogério Gandra da Silva Martins é sócio da Advocacia Gandra Martins, Especialista em Direito Tributário pelo CEU-Law-School, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT/SP (2006-2007)(2022-2025), Conselheiro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO/SP, Diretor da CECOMERCIO, Integrante do Conselho Jurídico da FIESP, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo (2004-2006), Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ, Membro da União dos Juristas de São Paulo – UJUCASP, Membro da Academia Internacional de Direito Econômico – AIDE, Assistente na Embaixada do Brasil na Bélgica (2004), Autor e Coordenador de diversos trabalhos e livros publicados em diversas áreas do Direito.
Fonte: RV Comunicação