Startup oferta ao mercado uma coleira que capta variáveis comportamentais dos animais e “traduz” o que a vaca precisa. Tecnologia pode aumentar produção leiteira em até 20%
Imagina uma vaca leiteira em meio a um rebanho com muitas outras vacas. Em certo momento, ela se sente abatida, com falta de apetite, exausta e com sua produção de leite diminuindo a cada dia. Quando o proprietário do rebanho percebe os sintomas deste animal em específico, o estágio da sua doença já está tão avançado que seu tratamento se torna impossível e caro. Perde-se uma vaca e gera-se o alto custo de adquirir uma nova.
Se os problemas tivessem sido descobertos logo na manifestação dos primeiros sintomas que a vaca vinha demonstrando, as chances de realizar o tratamento e evitado essa perda seriam muito maiores. Mas como perceber pequenos sinais em meio a dezenas, centenas ou milhares de vacas?
Parece uma missão impossível, mas foi com o objetivo de ouvir os sentimentos e “opinião da vaca” que a agritech gaúcha COWMED desenvolveu uma coleira com Inteligência Artificial que “traduz” o que o animal quer dizer.
Através do monitoramento 24 horas e em tempo real, o pecuarista acompanha pelo celular, tablet ou computador, o tempo de descanso, atividade der alimentação, ritmo de respiração e até o período de ruminação dos animais.
Com esses dados na palma da mão, é possível detectar alteralções de saúde precocemente, acompanhar o ciclo reprodutivo da vaca e monitorar os picos de consumo de alimentos.
Quem fez as vacas falarem?
Se hoje a startup de Santa Maria (RS), fundada pelos irmãos Leonardo Guedes e Thiago Martins é sólida e tem alto potencial de crescimento, tudo se deve a uma história surgida em família. O pai dos fundadores é professor na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria). Após viagens internacionais, o docente trouxe para o Brasil novas ideias para o desenvolvimento de tecnologias na produção leiteira.
E foi em 2009, no grupo de pesquisa do próprio pai, que os irmãos tiveram a ideia inicial para o projeto. Sem nunca ter tocado em uma vaca e conhecendo o leite só pelas caixinhas no supermercado, eles aproveitaram o início da tecnologia de precisão na pecuária, que ocorreu entre 2009 e 2010, para iniciar o monitoramento de animais. “A gente entendeu que era uma oportunidade de fazer com que a opinião e o bem-estar da vaca fossem consideráveis. Mudar o conceito de que a opinião do produtor é mais importante que a da vaca”, conta Leonardo.
Nasce a COWMED
Em 2015, a empresa se chamava Chip Inside, mas os irmãos mudaram para COWMED, com o objetivo de fazer uma alusão a um plano de saúde para vacas. Agora, o serviço era feito além da venda da coleira, pois eles agregaram um treinamento contínuo para os produtores entenderem o que as vacas precisavam. Primeiro, os irmãos criaram um comodato, em que o produtor pagava um valor mensal por vaca para testar a tecnologia. “Percebemos que esse era o negócio que valia a pena apostar”, conta Leonardo.
O custeio inicial no projeto era próprio, mas um investidor-anjo garantiu os seis primeiros meses da empresa com um aporte de R$ 60 mil. Leonardo explica que nesse período, os irmãos contaram muito com o trabalho em equipe de pessoas que realmente acreditavam na ideia. “Todos vestiram a camisa e muitos deles viraram nossos sócios”, relata.
O primeiro grande aporte de capital veio em 2017 pelo CRIATEC III no valor de R$ 4 milhões. Já em dezembro de 2022, a COWMED fechou uma rodada de equity crowdfuding da Captable, maior plataforma de investimentos em startups do Brasil, com um recorde de captação do gênero no Brasil que foi amplamente divulgada pela mídia na época. A agritech conseguiu aproximadamente R$ 6 milhões com o aporte de 500 investidores, incluindo clientes, apoiadores e a cooperativa agrícola, Cotribá, que investiu R$ 3 milhões.
Hoje a COWMED possui 35 mil vacas monitoradas em tempo real em mais de 400 fazendas que usam o serviço, divididos em seis países, sendo Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Canadá e Estados Unidos.
Ao todo, são mais de 500 milhões de horas vacas, ou seja, de horas que o banco de dados tem de vacas monitoradas. Esses índices usam inteligência artificial para fazer a análise dos números e extrair comportamentos e indicativos que melhoram a gestão rural. A meta da empresa é chegar aos 100 mil animais monitorados em dois anos.
Afinal, como a coleira funciona na prática?
A vaca é um ser biológico, que tem desejos e vontades. Com esse pensamento, os irmãos desenvolveram a coleira para dar protagonismo para o animal. Conforme Thiago, o colar é capaz de monitorar variáveis, como tempo de ruminação, tempo que a vaca leva comendo, tempo de descanso, tempo de caminhada, qualidade da respiração, entre outros. “Com esses dados, é possível utilizar a inteligência artificial para interpretar a opinião da vaca e gerar recomendações para o produtor”, explica o engenheiro.
O sistema também é aliado para o acompanhamento do ciclo reprodutivo do animal, uma vez que a coleira capta os comportamentos e o app emite alertas de cio, momento certo para a inseminação e hora do parto. Em relação à saúde do animal, a inteligência artificial é capaz de identificar se a vaca vai ficar doente com até cinco dias de antecedência. “A olho nu, existem sinais clínicos imperceptíveis, porque o bovino, por ser uma presa, tem a característica de esconder a doença. Com o sistema, é possível analisar os sinais e fazer o diagnóstico precoce”, destaca.
A coleira também é capaz de apontar quais são os horários que a vaca gosta de comer e o quanto ela consome. Com isso, é possível adaptar o manejo nutricional conforme o que o animal deseja. Além disso, a inteligência ainda consegue avaliar o conforto e bem-estar da vaca, pois o sistema aponta quais horários ela está com maior nível de estresse térmico, permitindo o ajuste dos horários de banho e ventilação. Também é possível avaliar se ela gosta da cama, se precisa de troca, entre outras variáveis. “Com toda essa solução, você consegue fazer a produção subir de 15 a 20%, simplesmente atendendo o que as vacas precisam”, acrescenta.
Dar voz às vacas com propósito
Além do sonho de se tornarem empresários de sucesso, Leonardo e Thiago queriam criar algo novo, que pudesse mudar o mundo e ajudar as pessoas. “A gente sempre quis construir algo que realmente impactasse, transformasse, criasse um legado”, conta Thiago. Foi com esse pensamento que a ideia de criar um “tradutor” para as vacas encantou os engenheiros, uma vez que essa tecnologia ajuda os animais a produzir mais leite e, consequentemente, alimentar mais pessoas.
Leonardo destaca que o mundo já tem quase 8 bilhões de pessoas e nos próximos 30 anos a população mundial deve crescer mais de 25%. “O nosso maior desafio é ajudar a alimentar mais pessoas. E a nossa forma de ajudar é através da opinião da vaca”, comenta. A ideia dos irmãos para 2024 é dobrar o número de animais monitorados no Brasil e fortalecer a tecnologia na América Latina.
Entenda o Monitoramento COWMED 24h
O sistema de Monitoramento COWMED 24h, que faz as vacas “falarem” começa com uma coleira de nylon, que tem durabilidade de cinco anos. Ela usa inteligência artificial para detectar as informações relacionadas ao animal. O produtor paga um valor de setup inicial (instalação) por coleira contratada e mais o valor de mensalidade recorrente.
Após contratar, ele recebe na propriedade o kit de instalação no modelo plug and play, com os colares, antenas já configuradas, material de treinamento, acesso a plataforma web e aplicativo, além das centrais de ajuda. O produtor rural precisa apenas ligar o equipamento na tomada, colocar a coleira na vaca e o sistema já começa a funcionar. A comunicação ocorre por meio de radiofrequência e Wi-Fi, com a utilização de repetidores em pontos específicos.
O pecuarista recebe na palma da mão alertas de cada animal em caso de detecção do cio, problemas de saúde, alterações de comportamento, mudanças nutricionais e impactos do estresse. Com essas informações em tempo real, ele pode tomar a melhor decisão para garantir o bem-estar animal e a eficiência na produção leiteira.
A COWMED continua acompanhando o pecuarista com auxílio de uma equipe de veterinários e zootecnistas. Os profissionais são responsáveis por treinar e prestar auxílio às propriedades atendidas. Nesta etapa, o cliente recebe treinamentos de reprodução, sanitário, gestão zootécnica e nutrição de precisão, além do acompanhamento por reuniões periódicas.
CowConnect: software completo de gestão rural
A COWMED também conta com o CowConnect, um software de gerenciamento zootécnico completo, que ajuda na gestão reprodutiva, sanitária e nutricional do rebanho. O sistema conta com o apoio da assistente virtual VIC, uma vaquinha que lembra as rotinas essenciais no dia a dia da fazenda, como secagens, movimentação para o pré-parto, programação de protocolos, entre outros.
O software, com o apoio da VIC, permite que o produtor faça a gestão do rebanho com controle completo dos animais e genealogia. Além disso, permite a organização e movimentação prática dos lotes, controle leiteiro total, individual ou por lote, registro de eventos reprodutivos, históricos de diagnóstico e tratamento sanitário, índices zootécnicos e base de dados para tomar as melhores decisões.
Fonte: Letícia Caetano