*Por Pompeo Scola
No início deste ano, o governo colocou em operação as alterações feitas em 2024 na NRI-1, Norma Regulamentadora que trata de Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, modificando o entendimento das doenças organizacionais, relacionadas ao trabalho. Com a nova medida, doenças emocionais e psicosomáticas como: depressão, assédio, burnout e outras questões relacionadas à saúde do colaborador foram acrescentadas.
Nessa releitura, a modificação inclui como responsabilidade do empregador, cuidar, acompanhar, mapear e garantir proteção ao funcionário nessas questões. Isso, aparentemente, é uma mudança simples e até justa conceitualmente falando, mas, diferente das doenças laborais relacionadas à ergonometria, por exemplo, o quanto o emocional de uma pessoa está ou não preso especificamente ao ambiente que ele trabalha?
Então, nessa primeira análise, vamos pensar: é o ser humano, que durante 24 horas por dia, recebe uma série de estímulos, alguns bons e outros ruins, e que vão alterar a sua saúde emocional. Ele pode ter uma depressão profunda, fonte de um relacionamento infeliz e se revelar dentro do ambiente de trabalho, a famosa gota d’água ou gatilho. Então, a diferença fundamental da situação anterior para essa situação é que a norma antes olhava para fatores ambientais e comportamentais do ambiente durante a execução da jornada de trabalho do funcionário. Ela tratava de questões objetivas que influenciavam a saúde biológica, física e comportamental desse indivíduo.
Agora, quando se amplia isso para o espectro socioemocional dessa pessoa, estamos lidando com variáveis que vão além das oito horas de trabalho ou das 160 horas mensais. Dito isso, a empresa pode tomar algumas medidas para poder lidar com essa situação, porque de fato, já é lei.
Mudanças
Empresas onde o grau de cobrança é bem significativo, é importante ter modelos lúdicos, psicossociais pensados, não para anular a cobrança, mas para caracterizá-la como parte de um jogo em que as pessoas querem jogar. Desta forma, os colaboradores lidarão melhor com esse dia a dia. Ou seja, a empresa cria um ambiente, mas ela também cria ferramentas para que eu possa suportá-lo.
A ideia é mostrar que temos que estar dispostos a sujar a camiseta de lama, como em um jogo de futebol onde a qualquer momento podemos tomar um gol, e mesmo assim, precisamos buscar forças para reverter o placar e ter o prazer da vitória, que compensa essas dores do caminho. Outra indicação é fornecer suporte psicológico de um profissional no dia a dia para que as pessoas possam continuar lutando, um psicólogo por exemplo para escutá-las. É preciso ver além da jornada fora da empresa, pois é exatamente ali que a verdadeira batalha acontece.
Novos drivers
Hoje em dia, nós estamos treinando a geração dos anos 2000, ou seja, pessoas que em sua maioria não aprenderam lidar com as frustrações. Por outro lado, também temos a nossa parcela de culpa. A partir do momento que a gente coloca, por exemplo, um celular na frente da criança que não quer comer, ela passa a brincar e nem presta atenção no que está ingerindo. Ela não precisou lidar com aquilo, pois foi levada a nível de campo e atenção para uma outra situação e a qualquer custo está cumprindo a função biológica de alimentar. Essa é a decisão de construir a recusa, porque parece menos doloroso, dá menos trabalho, é uma questão muito ruim.
A criança precisa sentir o incômodo da fralda mijada, ela precisa lidar com o não! Ou seja, saber que o momento de comer não é o momento do celular, da televisão ou do tablet, é a hora de comer! Temos que ensinar que existem horários, momentos corretos para cada atividade e principalmente processos de socialização do indivíduo. Tudo isso se enfraqueceu de 2000 para cá, criando cada vez mais o aprendizado da recusa. Se eu não quero, não preciso fazer.
E esse mecanismo que deixa a gente inviável como sociedade, porque, claro, aumenta demais a criatividade, mas também aumenta demais a inconformidade. As pessoas não conseguem conviver com uma conformidade, com o exercício de ordem e de progresso. E não há progresso sem ordem, não é? Então, esse é um ponto central atrás de tudo isso, do ponto de vista psicológico.
A sociedade precisa mais do que nunca aprender a lidar com uma coisa chamada psicologia de recalque. Temos que suportar situações ruins, reconhecer a tristeza, fraquezas e ir em frente, pois caso isso não aconteça seguiremos terceirizando os culpados e essa conta ficará cada vez mais cara para as empresas e para a sociedade
*Pompeo Scola Psicólogo, conselheiro empresarial, consultor, investidor de startups, mentor e CEO da aceleradora Cyklo.
Fonte: Kassiana Bonissoni