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Agricultores plantam árvores para cultivar pimenteira-do-reino

  • Novo sistema usa a árvore leguminosa gliricídia para substituir estacas de madeira como suporte para o crescimento da pimenteira-do-reino.  
  • A gliricídia aumenta o teor de matéria orgânica no solo e promove a redução de aplicação de nitrogênio, pois ela fixa esse elemento do ar.
  • A leguminosa ainda promove um microclima desfavorável à incidência de doenças.
  • Pesquisa registrou a redução de 28% dos custos ao produtor.
  • Novo sistema tem mais longevidade e maior tempo de produção em relação ao tradicional.
  • Para prover as estacas no sistema tradicional, é necessário o corte de 25 a 30 árvores para plantar um hectare de pimenteira-do-reino. 
  • Estaca “viva” de gliricídia é mais barata que estacão de madeira e pode ser multiplicada pelo próprio agricultor.

Nativa da América Central, a árvore leguminosa gliricídia (Gliricidia sepium L.) apresenta rápido crescimento e tem se mostrado um ótimo suporte (tutor vivo) da pimenteira-do-reino em um sistema sustentável desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA). O uso da gliricídia como tutor vivo da pimenteira-do-reino em substituição às estacas de madeira evita o corte de árvores da floresta, melhora a produtividade do pimental e diminui os custos ao produtor. A prática, que reduz drasticamente o impacto ambiental da atividade, ganha cada vez mais adeptos no estado do Pará, segundo maior produtor de pimenta-do-reino do País.

Os especialistas registraram a redução em 28% dos custos ao produtor com o novo sistema, quando comparado ao tradicional com estacas de madeira. “Além disso, o manejo dessa planta proporciona o aumento do teor de matéria orgânica no solo e a diversificação de microrganismos, a fixação de nitrogênio do ar e consequente redução do uso de fertilizantes nitrogenados e o favorecimento de um microclima nos pimentais”, ressalta o analista da Embrapa João Paulo Both. Esse conjunto de vantagens faz com que o pimental no tutor vivo da gliricídia tenha mais longevidade e tempo de produção em relação ao sistema tradicional.

Foco na sustentabilidade

No sistema tradicional de cultivo da pimenteira-do-reino o tutor é obtido do tronco de árvores. “Para a implantação de um hectare de pimenta-do-reino é necessário o corte de 25 a 30 árvores para a produção de tutores para a pimenta”, conta o pesquisador da Embrapa Oriel Lemos. O impacto ambiental da atividade, a escassez e o preço elevado da madeira foram importantes motivações para a pesquisa buscar uma alternativa, segundo o cientista.

As pesquisas com o tutor vivo tiveram início na década de 1990 no estado do Pará com a parceria da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). “Todo o sistema de produção de pimenta naquele momento era em tutor morto obtido a partir de madeiras nobres extraídas da floresta amazônica. Essa era a nossa grande preocupação”, relembra Lemos.

Ele conta que foram testadas várias espécies e a gliricídia se destacou pelo seu crescimento rápido e menor competição com a pimenteira-do-reino. Desde então, os cientistas vêm aprimorando o sistema de produção da pimenteira-do-reino com foco na sustentabilidade ambiental e econômica da atividade.

Redução de custos ao produtor

A aquisição das estacas de madeira, o chamado tutor morto, é o item que mais pesa no bolso do agricultor. “A estaca de madeira aqui na região chega a custar de 25 a 30 reais, enquanto que a estaca de gliricídia não passa de 5 reais”, conta o pipericultor (produtor de pimenta) Osvaldo Donizete, do município de Capitão Poço, na região nordeste do estado do Pará. É nesse município que está o maior número de pimentais no tutor vivo de todo o estado.

O estudo de impacto econômico da tecnologia, realizado em 2022, calculou os custos de implantação e manutenção por três anos do sistema tradicional e do sustentável. Um hectare de pimenta com o tutor morto (sistema tradicional) custa ao produtor, em média, 58.251 reais. Já com a tecnologia do tutor vivo (sistema sustentável) esse mesmo hectare custa 41.715 reais. Isso representa uma redução de 16.535 reais, o que equivale a 28% de economia ao produtor em cada hectare de pimenta.

“O impacto econômico se dá, de imediato, na redução de custo ao produtor, e considera todos os componentes, como mão de obra empregada, preparo de área, insumos (estacas, adubos), mudas de pimenteira-do-reino, manejo do plantio e outros”, explica o economista da Embrapa Aldecy Moraes.

“Para o produtor, a questão econômica é importante, especialmente porque a pimenta-do-reino é produzida, majoritariamente, pela agricultura familiar no estado do Pará”, acrescenta o economista.

Ampliação das áreas com o tutor vivo

A avaliação de impacto mostrou ainda que, em 2022, houve um aumento de 83% na área plantada com tutor vivo nos pimentais do Pará, em relação a 2021. O trabalho estima que o estado tenha em torno de 300 hectares de pimenta na gliricídia e o município paraense de Capitão Poço é o que mais se destaca nessa ampliação. Exemplo disso é a ampliação do pimental do Osvaldo Donizete, conhecido na região como “Tica Caneta”. Ele começou a plantar pimenta-do-reino com o pai na década de 1970 e, atualmente, cultiva cerca de 50 mil pés de pimenta no tutor vivo de gliricídia. O primeiro contato com a tecnologia foi em 2011 por meio da Embrapa. Desde então, o agricultor apostou no sistema sustentável e, anualmente, vem substituindo as estacas de madeira pelo tutor vivo.

“Hoje a maior parte da minha produção já é no tutor vivo. Só no ano passado plantei 20 mil pés de pimenta na gliricídia. Além do preço, que é o primeiro ponto positivo, tem muita diferença na planta, ela fica mais vigorosa e produz muito bem. Na estaca morta, o pimental com quatro, cinco anos já está morrendo. No tutor vivo, o pimental de oito anos está bem formado e produzindo bastante”, conta o agricultor.

“Os agricultores da região acreditam nessa tecnologia e estimamos que haja em torno de 300 mil pés de pimenta na gliricídia no município de Capitão Poço”, conta o agrônomo Augusto Rodrigues dos Santos, extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater-Pará).

O extensionista acredita que a escassez de madeira, o preço para a aquisição das estacas e a questão ambiental são os fatores que levam os agricultores a optarem pelo tutor vivo. “Quem usa essa tecnologia não está derrubando e sim plantando árvores”, diz.  Outra vantagem ressaltada pelo técnico é a possibilidade de multiplicação das estacas de gliricídia pelo próprio agricultor. “Ele pode fazer um campo de multiplicação de gliricídia para ampliar seu pimental e também para vender a outros produtores”, conclui.

Plantas vigorosas e produtivas

Os especialistas afirmam que ainda pouco se sabe sobre o comportamento da pimenteira-do-reino em tutor vivo de gliricídia. Porém, um dos mais recentes trabalhos científicos sobre o tema, realizado no estado do Pará, mostrou a influência que o tipo de tutor exerce na planta.

A pesquisa avaliou o comportamento das cinco variedades de pimenteira-do-reino mais utilizadas no campo, tanto no sistema sustentável quanto no tradicional. As cultivares Bragantina, Cingapura, Kuthiravally, Uthirankotta (foto à direita) e cv. Embrapa/Clonada tiveram respostas diferentes para o crescimento das plantas e produção de grãos em relação ao tipo de tutor utilizado no sistema.

O uso do tutor vivo foi positivo para a altura das plantas – uma das variáveis de crescimento – para quatro das cinco cultivares. A cultivar Bragantina, desenvolvida pela Embrapa e amplamente utilizada no País, apresentou maior comprimento e peso das espigas quando cultivada na gliricídia (sistema sustentável). 

Já o número de frutos por espiga também obteve resultado positivo em quatro das cinco variedades analisadas. No tutor vivo a média de frutos foi de 77 por espiga; no tutor morto foi de 70 frutos por espiga. E, mais uma vez, a Bragantina saiu na frente com quase 86 frutos por espiga no sistema sustentável.

“A cultivar Bragantina é um material genético bastante utilizado nas lavouras do Pará e, principalmente, no Espírito Santo; e tanto o crescimento da planta quanto a produção de grãos têm apresentado desempenho melhor no tutor vivo de gliricídia na região no nordeste paraense”, explica Both. 

Solos mais férteis

Experimentos mostram que a gliricídia melhora a fertilidade do solo e atua na fixação de nitrogênio. “Esse elemento é um dos nutrientes mais exigidos pela pimenteira-do-reino e a gliricídia é uma leguminosa capaz de realizar fixação biológica de nitrogênio. Então, vimos que há uma resposta positiva com relação à produção de grãos verdes de pimenta”, afirma Both.

Ele explica que a gliricídia produz rapidamente grande quantidade de folhas, que acumulam nutrientes. E o manejo dessa planta nos pimentais envolve podas de condução e podas drásticas. “A cada quatro meses podem ser colhidos cerca de 50 quilos de biomassa por planta adulta. Esse material picado e colocado sobre o solo é decomposto em até 16 dias, liberando os nutrientes para o solo”, explica Both.

A adubação verde, segundo o especialista, é um ganho adicional importante dessa tecnologia. Ela ajuda a reter a umidade, diminui a incidência de plantas invasoras, estimula a presença de organismos no solo, os quais melhoram a aeração e transformam a matéria orgânica em adubo mineral.

Resultados positivos no campo

O Pará é o segundo maior produtor de pimenta-do-reino do Brasil, com uma produção de 36 mil toneladas em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As maiores produções se concentram nos municípios de Tomé-Açu, Capitão Poço, Igarapé-Açu e Baião, localizados na mesorregião nordeste do estado.

A cultura da pimenteira-do-reino no estado é uma atividade majoritariamente da agricultura familiar e gera 75 mil empregos diretos. A área do agricultor familiar Maciel Ferreira, do município de Baião, é um exemplo. Ele, que herdou do avô a tradição da pipericultura, tem atualmente 4 mil pés de pimenteira-do-reino e investiu na gliricídia há cerca de três anos. “A pimenta no tutor vivo é mais pesada e, para nós que trabalhamos com o peso do grão, o rendimento na balança é muito importante”, conta o agricultor. 

Além disso, a produtividade do pimental também foi maior no tutor vivo. “Do primeiro para o segundo ano, a pimenta rendeu três quilos de grão seco por planta, quantidade que no tutor morto só conseguia a partir do terceiro ano do pimental”, acrescenta. 

Já para o agricultor Cley Pantoja, também de Baião, um dos ganhos do sistema sustentável é no período das chuvas, o chamado “inverno amazônico”. “Nesse período, as plantas ficam menos encharcadas e há uma incidência bem menor de plantas daninhas no pimental”, afirma. 

O agricultor João Pompeu Pantoja conta que a produção de pimenta-do-reino é uma das principais atividades do município de Baião. “Aqui o plantio da pimenta melhorou a vida de muita gente. Há quem planta mil pés, 2 mil, 10 mil ou 500 mil, mas todo mundo tem um pouco de pimenta na região”, afirma. Para ele e os vizinhos, a gliricídia é o futuro das novas gerações na pimenta.

Futuro da pesquisa

Novos estudos já indicam que o tutor vivo também melhora a qualidade e densidade do grão da pimenta-do-reino. “Estamos avaliando alguns indicadores físicos e químicos de qualidade do grão e já temos resultados preliminares de que, em algumas variedades de pimenta, o uso do tutor vivo influencia na quantidade de substâncias químicas importantes, como a piperina e o óleo essencial”, anuncia o especialista.

A piperina é um alcaloide e o principal composto bioativo natural da pimenta-do-reino. Essa substância tem propriedades terapêuticas conhecidas pela ciência. Já o óleo essencial da pimenta é o que confere sabor à especiaria. É composto por diferentes moléculas e possui propriedades farmacológicas, sendo um produto promissor para remédios naturais.

O trabalho é realizado na área da empresa Tropoc, uma das maiores exportadoras de pimenta-do-reino do Brasil, localizada no município de Castanhal (PA), e já aponta que a pimenta na gliricídia tem melhores características aromáticas e nutricionais. “Os resultados podem agregar valor à pimenta produzida no Brasil com a produção de blends, por exemplo”, analisa.

Para o empresário André Kisch, da empresa alemã de ervas e especiarias Fuchs, esses resultados fortalecem ainda mais a pimenta-do-reino produzida no Brasil. “O diferencial da produção brasileira em relação aos outros países é a ausência de resíduos químicos nos grãos. Praticamente 90% dos grãos da pimenta brasileira não apresentam resíduos de defensivos e os que apresentam estão muito abaixo dos limites legais estabelecidos pelos mercados mais exigentes”, relata o industrial. Isso, segundo ele, é resultado do esforço e parceria da pesquisa, extensão, empresas e dos produtores brasileiros.

Cenário nacional

O Brasil é o segundo maior produtor mundial de pimenta-do-reino, só perdendo para o Vietnã. Em 2021, segundo o IBGE, a produção nacional foi de 118 mil toneladas de grãos secos de pimenta-do-reino em uma área de quase 38 mil hectares, movimentando quase 2 bilhões de reais no agronegócio brasileiro.

Espírito Santo e Pará são os maiores produtores de pimenta-do-reino do País, com uma produção de 72 mil e 36 mil toneladas em 2021, respectivamente.

Os principais países compradores da pimenta-do-reino brasileira são Alemanha, Vietnã, Emirados Árabes e Estados Unidos.

A pimenta no Brasil

As primeiras mudas de pimenteira-do-reino chegaram ao Brasil nos séculos XVII e XVIII, na Paraíba e na Bahia. Mas foi somente no século XX, na Amazônia, que a planta se estabeleceu no solo brasileiro. Em 1933, famílias de imigrantes japoneses trouxeram 20 mudas dessa planta para o estado do Pará, mais especificamente para a região do município de Tomé-Açu, no nordeste paraense.

As mudas foram da variedade Cingapura, que é cultivada até hoje na região. A partir da década de 1940, a pimenta se estabeleceu no Brasil, onde encontrou no Norte do País as condições ambientais ideais ao seu desenvolvimento.

Fonte: Embrapa

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