*Por Leandro Amaral
A inadimplência do produtor rural pessoa física atingiu 7,6% ao final de 2024. Um crescimento contínuo e preocupante em relação aos anos anteriores. Em meio a este cenário, e com uma dívida total que pressiona o setor, o mercado vem apontando o dedo para o produtor rural. Em vez de ser visto como o gestor de uma fábrica a céu aberto, sujeito a riscos incontroláveis, ele é frequentemente retratado como um “mau pagador” ou um administrador incompetente. Uma narrativa cruel e simplista, que ignora a realidade.
O produtor rural, em sua essência, é um cumpridor de obrigações. Sua palavra e seu nome são parte de seu patrimônio. E é justamente para honrar seus compromissos que, hoje, muitos se veem forçados a tomar a mais dolorosa das decisões: vender parte de suas terras, o maquinário, o patrimônio construído com o suor de gerações. Contudo, deparam-se com um mercado paralisado.
O resultado é uma liquidez quase nula, onde a oferta de ativos não encontra demanda, aprisionando o produtor em suas próprias terras, que antes eram sinônimo de liberdade e sustento.
Diante da impossibilidade de vender seus bens, a alternativa lógica seria a renegociação com os credores. E é aqui que o labirinto se torna ainda mais angustiante. Em vez de encontrarem uma mão estendida, baseada na compreensão mútua e na manutenção da atividade produtiva, os produtores rurais se deparam com um muro de intransigência.
As propostas de renegociação, quando surgem, vêm acompanhadas de taxas de juros que desafiam a lógica e a capacidade de pagamento de qualquer atividade produtiva, especialmente uma de alto risco como a agricultura. São juros que não se destinam a remediar, mas a agravar a doença financeira, transformando dívidas administráveis em uma bola de neve impagável. Esta prática ignora um princípio fundamental do crédito rural: ele deve ser um instrumento de fomento, não de estrangulamento.
Sem conseguir vender seus bens e diante de renegociações inviáveis, o produtor se vê encurralado, com uma única porta entreaberta: a recuperação judicial. E os números são a prova cabal do desespero. Em 2024, os pedidos de recuperação judicial no agronegócio dispararam, com um crescimento geral de 138%. O aumento foi ainda mais dramático entre os produtores rurais pessoa física, que registraram 566 pedidos, um salto gigantesco comparado aos 127 do ano anterior.
É crucial desmistificar a recuperação judicial. Ela não é um artifício de devedores, mas um mecanismo legal e legítimo para a reestruturação de uma atividade econômica viável que passa por uma crise de liquidez. A adesão massiva a este instrumento não evidencia má-fé, mas sim o esgotamento de todas as alternativas. É o último recurso para evitar o colapso, preservar a função social da propriedade, manter empregos e garantir a continuidade da produção que alimenta o Brasil.
O agricultor não é um especulador. Ele é o gestor de uma fábrica a céu aberto, vulnerável ao sol, à chuva e às flutuações do mercado internacional. O endividamento no campo não nasce do consumo supérfluo, mas do investimento em tecnologia, em insumos, na aposta de que cada safra será melhor que a anterior. Tratar esse produtor como um devedor comum é um erro crasso, com consequências nefastas para toda a economia brasileira.
Com mais de duas décadas de advocacia dedicadas ao agronegócio, testemunhei ciclos de bonança e de crise. No entanto, o que vejo hoje no campo é uma asfixia silenciosa e implacável do produtor rural, um cenário que testa os limites da resiliência de quem dedica a vida a alimentar o país. A tempestade perfeita, formada por quebras de safra devido a eventos climáticos extremos, pela queda no preço das commodities, custo de produção ainda elevado, e crédito caro e escasso, lançou sobre os agricultores um endividamento avassalador.
É imperativo um chamado à razão. As instituições financeiras precisam exercer seu papel de parceiras do desenvolvimento, oferecendo condições de renegociação que estejam alinhadas com a realidade do campo e com a capacidade de pagamento do produtor. Não se pede o perdão da dívida, mas sim a concessão de fôlego para que quem produz possa se reerguer, honrar seus compromissos e continuar a desempenhar seu papel vital. O produtor rural não busca um atalho, ele busca uma saída.
Deixá-lo à própria sorte é uma péssima estratégia para o país, pois a crise no campo reverbera em toda a cadeia econômica, impactando a balança comercial, a inflação dos alimentos e a estabilidade de inúmeros municípios que dependem do agronegócio.
É preciso uma ação coordenada e enérgica. O produtor rural não é o problema. Ele é a vítima de uma conjuntura devastadora e precisa de soluções concretas, não de um veredito de culpa.
Leandro Amaral
Advogado fundador do Amaral e Melo Advogados, especialista em Agronegócio desde 2004; Master of Laws em Direito Empresarial pela FGV, MBA em Direito do Agronegócio pelo Ibmec; Especialista em Recuperação de Empresas e Gestão Patrimonial pelo Insper; Especialista em Contratos do Agronegócio pelo IBDA; membro da U.B.A.U. – União Brasileira dos Agraristas Universitários e da Academia Brasileira de Crédito do Agro.
Fonte: Marcela Freitas