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A Quebra de Safra e seus reflexos no endividamento rural

A Quebra de Safra e seus reflexos no endividamento rural de acordo com a Lei 4.829/65

Atualmente é ponto incontroverso que o Agro Negócio vem sendo um grande propulsor da economia no Brasil, devido a grande importância do setor para o PIB nacional e a balança comercial externa, sem esquecermos da importante função de garantir o mínimo existencial com produção de alimentos visando saúde e bem-estar de toda sociedade.

Diante da importância do Agronegócio aliada ao alto custo necessário para o custeio da produção e investimentos no setor, em levantamento recente do Banco Central e instituições credoras, apontou-se um endividamento de produtores rurais na ordem de 600 bilhões de reais, ou seja, um terço do PIB do setor.

Todos esses fatores demonstram o motivo de termos uma série de instrumentos jurídicos que visam fomentar e garantir a continuidade da exploração dessa atividade pois apesar de sua importância e força econômica tem contra si inúmeras variáveis, como reflexos do comércio exterior, política cambial e problemas climáticos que podem prejudicar em muito as operações.

Entre os principais instrumentos jurídicos que regem a atividade rural destacamos a Lei 4.829/65 que institucionalizou o crédito rural e ao mesmo tempo atribuiu competência ao Conselho Monetário Nacional para disciplinar estas operações.

Como é fato público e notório, tivemos neste ano uma crise hídrica que vem ocasionando em diversas regiões uma quebra de safra superior a 30% ou 50% na produção esperada.

Com isso, haverá extrema dificuldade de muitos produtores conseguirem cumprir com os pagamentos de financiamentos rurais da forma anteriormente estabelecida.

Dentre os fatores que possibilitam o alongamento de crédito rural temos a quebra de safra, que na maioria das vezes é ocasionada por fatores climáticos adversos.

Diversos municípios, principalmente na região centro oeste do país, já publicaram decretos reconhecendo estado de calamidade ou emergência em virtude da crise hídrica que já afeta a produção e economia de áreas produtoras de grãos, fato este preocupante não só do ponto de vista regional mas que afetará a economia nacional e internacional com uma queda brusca na oferta de grãos para o segundo semestre do ano.

Diante desse cenário, não podemos deixar de destacar que até pouco tempo as regras do crédito rural junto as instituições financeiras eram estabelecidas pelo MCR 2.6.9 que dentre outras coisas trouxe de forma explícita o direito ao alongamento dos créditos rurais, afirmando que:

“Independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, é devida a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que se comprove incapacidade de pagamento do mutuário, em consequência de: (Circ 1.536)
a) dificuldade de comercialização dos produtos; (Circ 1.536) b) frustração de safras, por fatores adversos; (Circ 1.536)
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. (Circ 1.536).”

Dessa forma, temos na legislação federal em vigor um comando de natureza cogente, determinando o direito a prorrogação da dívida originária do crédito rural, quando ocorram as hipóteses acima delineadas, para terem seus débitos repactuados, de forma a adequá-los a sua nova capacidade de adimplemento.

Recentemente, mais precisamente em maio de 2021, houve uma atualização do MCR anterior (2.6.9) para o MCR 2.6.4, modificando o texto até então vigente. Essa modificação, ao menos em parte, poderá acarretar interpretações que levem ao entendimento de que a partir de agora haveria uma maior discricionariedade das instituições financeiras em conceder ou não o alongamento do crédito rural, gerando assim uma maior insegurança jurídica aos produtores e ensejando maiores cuidados dos mesmos na comprovação dos requisitos legais para terem seus pedidos de alongamentos deferidos.

Para melhor ilustrar, destacamos o trecho que gera maior controvérsia:

ANTES:MCR 2.6.9 -Independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, é devida a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que se comprove incapacidade de pagamento do mutuário, em consequência de: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

AGORA:MCR 2.6.4 -Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.

Ora, a alteração redacional acima exposta, mais precisamente contida na Seção 6, capítulo 2 do item 4 do MCR 2.6.4, poderá acarretar uma possível mudança de postura dos agentes financeiros diante dos pedidos de alongamento do crédito rural.

Apesar de entendermos que a simples mudança redacional e terminológica de alguns termos não retiraria a força cogente da norma em reconhecer o direito a prorrogação desde que comprovadas as situações descritas nas alíneas “a”, “b” e “c” acima destacadas, no início de sua aplicação poderá haver uma postura mais inflexível por parte das instituições financeiras, interpretando que agora haveria um certo grau de discricionariedade na avaliação dos requerimento que lhe forem apresentados a partir de então.

QUAL POSTURA O PRODUTOR DEVE ADOTAR?

 Ante a alteração do MCR e das informações acima apresentadas, verificamos que haverá uma necessidade cada vez maior do produtor rural buscar assessoria técnica especializada quando visando maior eficiência na prorrogação de seu crédito rural.

Com o amparo de profissionais qualificados haverá uma análise detalhada do seu fluxo de caixa, capacidade produtiva e de comercialização e a partir disso o produtor poderá comprovar de forma mais robusta e convincente a diminuição da sua capacidade de pagamento, com o enquadramento da sua situação nos moldes da MCR 2.6.4 e Lei 4.829/65, e com isso aumentar de forma considerável as suas chances de ter reconhecido o direito a prorrogação dos seus créditos rurais já na esfera administrativa.

Os produtores devem buscar uma maior produção de provas e a mais robusta análise técnica da sua produção, demonstrando que a adversidade climática ocasionada pela crise hídrica afetou consideravelmente sua produtividade e seu fluxo de caixa, e por consequência, sua capacidade de pagamento acabou por ser prejudicada.

Quanto maior for a produção de elementos que comprovem a queda na produção por fatores adversos e com isso a diminuição da capacidade de pagamento do produtor rural, maiores serão suas chances em ter seu pleito de alongamento de crédito deferido pelas instituições financeiras.

Por fim, o produtor deve ter bastante cautela em efetivamente alongar suas operações rurais existentes e não realizar a famosa “operação mata-mata”, onde não há efetivo alongamento do crédito rural e sim a realização de nova operação para pagar a operação anterior. Nesses casos o produtor resolve um problema momentâneo, mas em geral entra numa operação desvantajosa para ele, com taxas maiores e prazos que não se adequam efetivamente a sua necessidade.

Heráclito Higor Bezerra Barros Noé

Advogado Empresarial – Especialista em Direito Público e Tributário pela UFRN, Pós Graduado em Gestão Patrimonial pelo INSPER –Sócio do Amaral & Melo Advogados, Consultor da AgriCompany em Crédito Rural e Gestão Patrimonial.

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