Com o aumento do debate público sobre a possível elevação de impostos sobre agroquímicos, muitas dúvidas surgiram sobre os impactos econômicos, ambientais e constitucionais dessas medidas. Para contribuir com a compreensão técnica do tema, o Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) reuniu as principais questões que têm circulado no STF, no meio jurídico e na imprensa, e as respostas de Luis Rangel, conselheiro do CCAS, ex-secretário de Defesa Agropecuária e ex-diretor de Análises Econômicas e Políticas Públicas do MAPA.
1. “Agroquímicos podem ser taxados como cigarros ou bebidas alcoólicas?”
Segundo Rangel, essa é uma das confusões mais comuns do debate.
“É um erro técnico comparar agroquímicos a produtos supérfluos ou nocivos. Eles não são bens de consumo, mas insumos essenciais que garantem a produção de alimentos.”
Ele explica que o princípio constitucional da essencialidade tributária determina menor carga tributária justamente para itens fundamentais à vida, categoria que engloba sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas.
2. “Tributar mais reduz o uso desses produtos?”
A resposta, baseada em estudos econômicos nacionais e internacionais, é não. Pesquisas da Universidade de Brasília (UnB), citadas pelo especialista, mostram que a demanda por agroquímicos é inelástica: mesmo com aumento de preço, não há redução significativa de uso.
“Os dados são claros: tributar mais só encarece a produção e eleva o preço dos alimentos. O uso não diminui porque não existem substitutos em escala que assegurem o mesmo nível de produtividade.”
Segundo ele, culturas como algodão, soja e milho seriam diretamente afetadas com aumentos entre 7% e 14% no custo de produção caso ICMS e IPI fossem totalmente recompostos.
3. “O imposto tem efeito ambiental positivo?”
Para Rangel, essa é outra premissa equivocada.
“Se o objetivo é corrigir externalidades, o imposto precisa mudar comportamento. Mas como a demanda é inelástica, o tributo não gera benefício ambiental mensurável.”
Ele lembra que até países que utilizam modelos de taxação ambiental combinam esses mecanismos com extensão rural, educação técnica e novas tecnologias, nunca como medida isolada.
4. “A indústria é tão concentrada que absorve o imposto?”
O especialista alerta para um ponto crucial: o mercado global de agroquímicos é oligopolizado.
“Em mercados altamente concentrados, o imposto não é absorvido pela indústria. Ele é repassado integralmente ao produtor e, na sequência, ao consumidor.”
Isso gera uma perda de bem-estar — o chamado peso morto tributário — que recai sobre pequenos e médios produtores e encarece a cesta básica.
5. “Tributar mais significa ser mais sustentável?”
Rangel defende que sustentabilidade depende de competitividade e inovação, não de penalização fiscal.
“O Brasil já avança rapidamente em bioinsumos e tecnologias mais limpas porque elas são eficientes e competitivas, não porque alguém impôs uma penalidade.”
Para ele, políticas públicas eficazes precisam premiar quem adota práticas sustentáveis e não punir quem depende de insumos essenciais.
6. “Incentivos fiscais violam princípios constitucionais ou ambientais?”
Segundo o especialista, é justamente o contrário: retirar incentivos pode afetar a segurança alimentar, que também é um direito fundamental.
“Não se tributa o essencial. A seletividade tributária existe para proteger o acesso a alimentos. Desestruturar isso em nome de narrativas morais é ignorar ciência econômica e agronômica.”
7. Conclusão: ciência, não convicção
Rangel sintetiza que o debate atual tem sido influenciado mais por percepções de risco do que por dados.
“Não estamos discutindo ideologia, mas funcionamento de mercado. A teoria econômica e a agronomia são unânimes: taxar insumos essenciais distorce a produção, encarece alimentos e não traz ganho ambiental.”
O estudo “Desoneração Fiscal, Seletividade Tributária e Mercado de Insumos Agropecuários”, citado pelo especialista, foi apresentado durante a COP 30, em Belém.
Fonte: Mariana Cremasco



