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Nova lei dos seguros e o fim das “pegadinhas” contratuais no campo: o que muda para o produtor?

Você contrata o seguro, paga o prêmio em dia, cuida da lavoura como sempre fez. Aí vem a seca, o granizo ou a praga que ninguém esperava. Você aciona a seguradora e começa o calvário: semanas de espera, pedidos de documentos que nunca acabam, e no final uma negativa baseada em cláusula que você nem sabia que existia.

Essa história é comum demais no campo, mas as regras do jogo começam a mudar neste Dezembro.

A Lei 15.040 de 2024 criou um novo marco legal para os contratos de seguro privado no Brasil, incluindo o seguro rural. Ela foi sancionada em dezembro de 2024 e começa a valer a partir de 11 de dezembro de 2025. Não resolve tudo, mas melhora o equilíbrio entre produtor e seguradora. 

Um ponto decisivo é o alcance dessa nova lei. Em linhas gerais, ela se aplica apenas aos contratos de seguro firmados depois do início da sua vigência. Em outras palavras, quem contratar ou renovar o seguro rural após essa data, dentro das condições que caracterizam um novo contrato, ficará sujeito às novas regras. As apólices antigas continuam, em regra, no regime anterior.

A lei não mexe no zoneamento agrícola, na política de subvenção ao prêmio do seguro rural, nem nas regras técnicas definidas pela Susep e pelo Ministério da Agricultura para cada cultura. Essas regras continuam valendo. O que muda é a forma como o contrato de seguro é formado, interpretado, executado e encerrado. O foco é reequilibrar a relação entre segurado e seguradora, reforçando boa-fé, transparência e prazos claros. 

A seguir, destaco os pontos que mais impactam o produtor rural.

1. Cláusula confusa não vale mais

A lei exige que as exclusões de cobertura sejam descritas de forma clara e inequívoca. Acabou o tempo de negativa baseada em frase genérica perdida no meio do contrato.

Se a cláusula não deixa claro o que está excluído, ela não pode ser usada contra você.

Isso não significa que você deve relaxar. Pelo contrário. Leia a apólice antes de assinar. Pergunte o que cada exclusão significa na prática. Uma apólice mal escolhida ainda pode destruir sua safra financeiramente, mesmo com a nova lei.

2. A seguradora não pode cancelar o contrato no meio da safra

Antes, algumas seguradoras cancelavam contratos de forma unilateral, sem aviso prévio, deixando o produtor descoberto no pior momento possível.

Em termos práticos, a seguradora não pode simplesmente cancelar o seguro no meio da safra por ato de vontade isolada. Situações como inadimplência, fraude ou outras hipóteses legais continuam podendo levar à suspensão ou resolução, mas com procedimento, prazos e notificações claras.

Isso reduz o risco do produtor descobrir, no meio de uma estiagem ou após uma geada, que a apólice foi cancelada sem comunicação adequada.

Essa proteção é especialmente importante no seguro agrícola, onde o timing é tudo. Perder a cobertura entre o plantio e a colheita pode significar a diferença entre prejuízo administrável e quebra total.

3. A seguradora tem prazo para responder sua proposta

Você envia a proposta de seguro e fica esperando. A janela de plantio passa, o risco aumenta, e a seguradora não diz nem que sim, e nem que não.

A nova lei resolve isso. A seguradora tem 25 dias para analisar sua proposta e responder. Se não responder, considera-se aceita. E se recusar, precisa justificar os motivos de forma clara.

Isso muda a dinâmica. Você sabe exatamente quando terá resposta. Se vier negativa, pode corrigir o problema ou buscar outra seguradora ainda dentro da janela.

4. Prazos claros para análise do sinistro

Depois que você avisar o sinistro e entregar os documentos exigidos, a seguradora tem prazo para dizer se vai pagar ou não. Se ficar em silêncio, perde o direito de negar a cobertura.

O prazo padrão é de 30 dias, mas nos contratos de seguro agrícola, que envolvem maior complexidade técnica, o prazo pode chegar a 120 dias.

A seguradora pode pedir documentos complementares e suspender o prazo até duas vezes, mas precisa justificar o pedido. Não pode inventar exigência só para ganhar tempo.

Reconhecida a cobertura, a seguradora tem mais 30 dias para pagar. Se atrasar, paga multa de 2%, correção monetária e juros. A conta do atraso agora pesa no bolso de quem enrola.

5. Mudança no risco precisa ser comunicada

A lei reforça que você deve avisar a seguradora sobre qualquer evento que agrave significativamente o risco. Mudou a variedade? Plantou fora da janela? Alterou o manejo? Detectou praga? Comunique.

A seguradora tem 20 dias para reagir: pode cobrar a diferença de prêmio ou, se o novo risco não for tecnicamente segurável, resolver o contrato com 30 dias de antecedência.

Mas aqui vem a proteção: mesmo que você não avise, a seguradora só pode negar a indenização se provar que existe relação direta entre o agravamento e o sinistro. Não basta alegar. Tem que demonstrar.

Minha recomendação: registre tudo. Fotos, relatórios agronômicos, laudos técnicos. Quando o sinistro acontece, memória vira papel. E papel vira prova.

6. Se a seguradora transferir o contrato, ela continua responsável

Imagine que sua seguradora vende a carteira para outra empresa. Essa nova empresa quebra. Quem paga?

Pela nova lei, a seguradora original responde solidariamente se a transferência não tiver sido feita corretamente ou se a nova empresa se tornar insolvente dentro do período de vigência do seguro ou em até 24 meses após a cessão.

Para o produtor rural, isso significa uma rede de proteção adicional. Se o seguro rural foi transferido de uma seguradora para outra e esta quebra pouco tempo depois, a seguradora original não desaparece da cena. Ela continua solidária, dentro desses limites temporais, perante o segurado.

7. O prazo para ir à Justiça ficou mais claro

Se a seguradora negar a cobertura, você tem um ano para questionar judicialmente, contando a partir da data em que recebeu a recusa formal e motivada. Beneficiários e terceiros prejudicados têm três anos a partir do fato gerador.

Um detalhe importante: se você pedir reconsideração da negativa, o prazo fica suspenso até a seguradora responder. Mas isso só vale uma vez.

O erro mais comum que vejo é o produtor guardar a negativa na gaveta esperando que o problema se resolva sozinho. Não espere. Procure orientação jurídica imediatamente. Prazo perdido é direito perdido.

8. O que a lei não resolve

A Lei 15.040 melhora o ambiente contratual, mas não substitui o zoneamento agrícola, as regras de subvenção, os critérios técnicos por cultura, nem as normas específicas da SUSEP.

Você ainda precisa analisar a apólice com cuidado, verificar o enquadramento técnico, respeitar a janela de plantio e cumprir as exigências do programa de seguro rural.

No campo, cada detalhe faz diferença. No seguro, ainda mais.

9. O que fazer agora?

Mesmo antes da lei entrar em vigor, você pode se preparar:

  1. Revise suas apólices atuais com olhar crítico;
  2. Identifique exclusões que podem gerar conflito;
  3. Documente todo o processo produtivo com fotos e laudos;
  4. Comunique alterações relevantes à seguradora por escrito;
  5. Avise o sinistro imediatamente quando acontecer;
  6. Guarde todos os protocolos e comunicações;
  7. Não confie apenas na palavra do corretor;
  8. Busque orientação especializada ao primeiro sinal de problema.

O seguro rural é mais do que um documento. É a proteção do seu patrimônio, do seu fluxo de caixa e da continuidade da sua operação. A nova lei traz avanços reais, mas não elimina a necessidade de estratégia e acompanhamento.

Em um cenário de riscos crescentes, informação e planejamento continuam sendo as melhores defesas de quem vive do campo.

*Leandro Amaral é  advogado com atuação especializada no Agronegócio desde 2004;  com atuação destacada em crédito rural, recuperação judicial de produtores e reestruturação de dívidas agrícolas Master of Laws em Direito Empresarial pela FGV, MBA em Direito do Agronegócio pelo Ibmec; Especialista em Recuperação de Empresas e Gestão Patrimonial pelo Insper; Especialista em Contratos do Agronegócio pelo IBDA;  Certificação Febraban em Crédito Rural; Administrador Judicial pela Esmeg; membro da U.B.A.U. – União Brasileira dos Agraristas Universitários e da Academia Brasileira de Crédito do Agro; Sócio fundador do escritório Amaral e Melo  Advogados e da Empresa de Consultoria AgriCompany.

Fonte: Marcela Freitas

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