A declaração do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre uma suposta “pausa permanente” na migração de países classificados por ele como “Terceiro Mundo” desencadeou uma onda de especulações em diversos países, especialmente entre aqueles que dependem fortemente de vistos americanos para trabalho, estudo ou residência. Até o momento, porém, não há qualquer norma publicada que transforme essa manifestação política em regra jurídica aplicável.
A avaliação é do advogado Daniel Toledo, especialista em Direito Internacional e sócio da Toledo e Advogados Associados, que acompanha diariamente políticas migratórias norte-americanas e seus impactos para os brasileiros. Para ele, a repercussão da fala presidencial é maior do que seus efeitos reais. “Não existe até agora nenhuma ordem executiva, memorando ou instrução operacional definindo quais países seriam incluídos nessa ‘pausa permanente’. Sem publicação oficial, não há mudança normativa”, afirma.
A fala de Trump, divulgada na madrugada de 28 de novembro, mencionava três frentes: suspender a migração de países rotulados pelo governo como pertencentes ao Terceiro Mundo, revisar admissões aprovadas sob a gestão anterior e cortar benefícios federais de não-cidadãos. Sem critérios divulgados e sem lista de nacionalidades, o anúncio permanece no campo político.
Toledo explica que o sistema migratório americano só pode ser alterado por mecanismos formais, como ordens executivas publicadas no Federal Register, o equivalente ao Diário Oficial ou por instruções internas do USCIS e do Departamento de Estado. “Declarações públicas não geram efeitos automáticos. Elas podem sinalizar uma intenção, mas não substituem o processo regulatório exigido por lei”, observa.
Ausência de lista oficial impede qualquer interpretação definitiva
A incerteza foi ampliada porque, diferentemente de medidas anteriores como travel bans, o presidente não publicou lista de países nem apresentou parâmetros objetivos para definir o que enquadra uma nação como “Terceiro Mundo”.
Segundo Toledo, esse é o ponto central da análise. “A ausência de critérios públicos impede qualquer conclusão sobre quem seria afetado. A lei migratória americana não trabalha com esse conceito. Logo, uma declaração genérica não altera de imediato a emissão de vistos para nenhuma nacionalidade”, destaca.
Em junho de 2025, o governo americano havia adotado restrições formais a 19 países considerados de “alta preocupação para a segurança nacional”, incluindo Afeganistão, Chade, Líbia, Irã, Iêmen e Somália. Essas medidas eram específicas, detalhadas e acompanhadas de orientações técnicas a consulados. “Aquela era uma ordem real, com validade jurídica. Agora estamos diante de uma mensagem política sem ato normativo associado”, afirma o advogado.
Brasil segue fora de qualquer restrição
De acordo com Toledo, não há qualquer indicativo de que o Brasil esteja entre os países sob análise. O país não aparece em listas anteriores de restrição, mantém fluxo migratório estável para os EUA e não foi citado por autoridades americanas desde o anúncio divulgado por Trump.
“Até agora, brasileiros continuam plenamente elegíveis para solicitar vistos, renovar permissões e dar andamento a processos de residência. Não existe qualquer medida direcionada ao Brasil”, explica.
O especialista alerta que parte do pânico observado nas redes sociais decorre da interpretação equivocada de declarações políticas como medidas imediatas. “O governo americano opera com altos níveis de burocracia. Uma frase no X ou em coletiva de imprensa não muda o funcionamento de consulados, não suspende entrevistas e não altera o Visa Bulletin. Só documentos oficiais fazem isso”, reforça.
Impactos possíveis — e o que pode acontecer a seguir
Embora nada tenha mudado na prática até o momento, Toledo afirma que o anúncio merece monitoramento, sobretudo se evoluir para um decreto. Caso o governo publique uma ordem executiva formal:
- podem ocorrer aumento de revisões de segurança em algumas categorias de visto,
- atrasos temporários na análise de green cards,
- e endurecimento de admissões em pedidos de refúgio e asilo.
O advogado, porém, ressalta que qualquer mudança desse tipo exige justificativa jurídica robusta. “Mesmo governos com linhas mais rígidas precisam apresentar fundamentos técnicos para ampliar restrições. Caso contrário, é comum que tribunais suspendam a medida como já ocorreu em travel bans anteriores”, lembra.
Orientação jurídica é fundamental em cenários de ruído político
Toledo reforça que períodos de instabilidade são terreno fértil para boatos, golpes e interpretações erradas compartilhadas por influenciadores e consultorias sem formação jurídica. Por isso, recomenda cautela.
“Muitas pessoas tomam decisões precipitadas porque acreditam em rumores. Isso pode gerar perdas financeiras ou até comprometer um processo migratório sério. Acompanhamento especializado evita erros irreversíveis”, afirma.
Por ora, o que existe é apenas um anúncio político sem consequência prática. “O Brasil está fora de qualquer lista e não existe, neste momento, mudança normativa efetiva. Mas acompanhar o tema com atenção é essencial, porque políticas migratórias podem ser ajustadas rapidamente quando formalizadas”, conclui o advogado.
Fonte: Carolina Lara



