*Por Eduardo Berbigier
A segunda etapa da regulamentação da reforma tributária, aprovada pelo Senado , é apresentada como um passo rumo à simplificação. Mas o que o texto escancara é exatamente o oposto: um sistema que multiplica camadas de exceções, regimes transitórios e disputas federativas. O que se vende como modernização é, na prática, uma engenharia normativa que vai sufocar setores estratégicos como o agronegócio e impor ao país um passivo tributário de difícil reversão.
O novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá ICMS e ISS, nasce com um comitê gestor de 54 conselheiros. É o retrato perfeito da insegurança: um colegiado sujeito a pressões políticas, que decidirá a distribuição de bilhões de reais sem oferecer ao contribuinte a previsibilidade mínima necessária. Para piorar, a referência de cálculo das alíquotas agora se baseia na arrecadação entre 2024 e 2026, o que cria um sistema volátil e dependente de conjuntura recente, em vez de dados consistentes de longo prazo. É um convite à judicialização.
Os créditos de ICMS acumulados até 2032 são outro calcanhar de Aquiles. O projeto promete devolução ou compensação, mas sem mecanismos claros de liquidez. Em outras palavras: o contribuinte fica na fila, de chapéu na mão, esperando o Estado devolver aquilo que nunca deveria ter sido retido. A história brasileira mostra que, quando se trata de devolver imposto, a agilidade é sempre substituída por burocracia e litígio.
O texto empilha exceções e cria regimes privilegiados — como no caso das SAFs, que terão alíquota reduzida a 1%. Esse tipo de concessão fragmenta a lógica do sistema, reforça a política de lobbies e, no fim, desloca o peso para quem não tem representação organizada: o produtor rural, que vê sua carga aumentar, e o consumidor, que paga a conta no preço dos alimentos.
No campo do imposto seletivo, a situação é ainda mais caricata. Bebidas adoçadas entram na lista ao lado de cigarros e álcool, com teto de 2%. O argumento é saúde pública, mas a prática é arrecadação. Quem conhece a realidade das famílias brasileiras sabe que essa tributação pesa muito mais no orçamento das camadas mais pobres. O agro observa com atenção, porque uma vez aberta a porteira desse tributo “com viés moral”, nada impede que insumos agrícolas ou derivados da produção sejam incluídos amanhã.
A restrição da isenção sobre derivados de petróleo à indústria petroquímica e a antecipação da tributação da nafta para gasolina revelam outra contradição: combate-se fraude criando distorções adicionais. O resultado será insegurança para cadeias produtivas que dependem da previsibilidade de insumos importados.
Enquanto isso, o agronegócio, que hoje opera com carga média de 3% a 4%, pode ver esse número triplicar, chegando a 11% ou mais. É devastador. E devastador não apenas para o produtor, mas para a mesa do consumidor. Cada camada de custo se traduz em alimentos mais caros, menor competitividade internacional e perda de espaço nos mercados globais. O Brasil, que deveria consolidar-se como fornecedor acessível e confiável, arrisca comprometer sua principal vantagem competitiva.
Esse cenário se agrava quando lembramos de iniciativas paralelas, como a tentativa de tributar a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). Tributar a LCA é desmontar 40% do financiamento privado rural. É tirar o oxigênio de um setor que respira crédito para plantar, colher e exportar. O mesmo vale para os Fiagros: se não houvesse a derrubada do veto que pretendia tributar esses fundos, teríamos assistido ao assassinato de um dos poucos instrumentos eficazes de captação de capital para o agro.
Chama-se de simplificação aquilo que é, na verdade, uma armadilha fiscal. Uma transição de sete anos que mistura regimes antigos e novos, um comitê gestor politizado, um imposto seletivo com justificativa moral e uma lista de exceções casuísticas. O resultado não será simplificação, mas litigiosidade, aumento de custo e insegurança jurídica.
O agronegócio não está pedindo favores. Está pedindo aquilo que qualquer sistema tributário minimamente racional deveria oferecer: neutralidade, previsibilidade e clareza. A reforma aprovada pelo Senado não entrega nenhuma dessas premissas. Ao contrário: prepara o terreno para uma devastação anunciada do setor que garante alimento para o Brasil, superávit para a balança comercial e emprego para milhões de famílias.
Eduardo Berbigier – Advogado tributário especialista em agronegócio, Presidente da Berbigier Sociedade de Advogados (www.berbigier.adv.br), membro dos Comitês Tributário e Jurídico da Sociedade Rural Brasileira e do Conselho Superior de Direito da Fecomércio SP, foi Relator da Comissão da OAB/PR para a Criação do Tribunal Regional Federal no Paraná e é colunista da Revista Oeste e do Canal Terraviva/Band.
Fonte: Comunicativas Agro