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Da terra ao prato: como a oferta de alimentação escolar está mudando a agricultura familiar no Brasil

Enquanto milhões de estudantes brasileiros se alimentam diariamente nas escolas públicas, por meio de mais de 40 milhões de refeições servidas todos os dias, um grupo de cidades começa a usar essa realidade como ferramenta de transformação. Ao conectar a alimentação escolar à produção agroecológica da agricultura familiar, o projeto PNAE Agroecológico aposta em um modelo de abastecimento alimentar: mais saudável, sustentável e justo — tanto para quem consome quanto para quem planta.

A iniciativa, que entra agora em sua segunda fase, une diagnósticos locais, articulação de políticas públicas e engajamento direto com agricultores e gestores municipais. O objetivo é redesenhar os caminhos entre campo e escola, fortalecendo a agroecologia como resposta concreta à crise alimentar, climática e econômica no Brasil.

Coordenado pelo Instituto Comida do Amanhã, em parceria com o Instituto Regenera e o Instituto Fome Zero (IFZ), o projeto conta com apoio institucional do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) no Brasil e apoio da Fundação Rockefeller. Com duração prevista de quatro anos, o PNAE Agroecológico busca influenciar políticas públicas nacionais e consolidar um protótipo de políticas com potencial de replicação para o aumento da oferta de alimentos saudáveis na alimentação escolar, com base na força dos municípios.

Diagnóstico de base: escuta, análise e articulação local

Lançado no início de 2025, o projeto iniciou suas atividades com a publicação de um edital público para seleção de cidades interessadas em vincular sua política de alimentação escolar à produção agroecológica. A chamada priorizou municípios com população acima de 50 mil habitantes e pelo menos 2 mil estudantes matriculados na rede municipal de ensino, além de histórico com práticas sustentáveis e uso ativo dos recursos do PNAE.

Foram mais de 40 municípios inscritos. Os selecionados para a primeira rodada de projetos-piloto foram Caruaru (PE); São José dos Pinhais (PR); um grupo formado por cidades do Pará com Barcarena, Abaetetuba, Marituba e Benevides (PA); e outro grupo com cidades do Rio Grande do Sul com Caxias do Sul, Antônio Prado, Ipê, Montenegro e Porto Alegre (RS).

Entre abril e junho, representantes do projeto visitaram os territórios selecionados, realizaram reuniões presenciais com prefeituras, cooperativas, organizações da sociedade civil e órgãos federais, e elaboraram um diagnóstico detalhado sobre os sistemas alimentares locais, modos de produção e estruturas de compras públicas.

Com base nas escutas e dados coletados, o projeto avança agora para a fase de codesenho dos projetos-piloto, em que serão construídas propostas práticas, viáveis e duradouras com cada município. Além disso, passam a ser incorporados os parceiros de execução em cada um dos quatro territórios — responsáveis por prestar assistência técnica agroecológica ao grupo de agricultoras e agricultores locais definidos como beneficiários diretos. O foco é facilitar e ampliar a compra de alimentos agroecológicos para a merenda escolar, criando incentivos locais e estruturando arranjos institucionais robustos.

“Ao longo deste ano, estamos trabalhando com quatro grupos de cidades na construção de projetos estruturantes, que chamamos de projetos-pilotos. A ideia é que essa metodologia possa ser aplicada também em outros municípios, ampliando o impacto da iniciativa. Nosso objetivo é entender o que funciona — e o que não funciona — nos contextos reais, considerando as especificidades dos programas de alimentação escolar, da base produtiva local e da agricultura familiar em cada território”, afirma Juliana Tângari, diretora do Instituto Comida do Amanhã.

A diretora também explica que a proposta é cocriar soluções concretas para promover a transição agroecológica de forma estruturada e duradoura. “Sabemos que esse é um processo de médio e longo prazo, mas acreditamos que essa construção coletiva gera legitimidade e aumenta as chances de sucesso das políticas públicas. Por isso, damos ênfase ao diagnóstico territorial e à escuta: ouvir as pessoas, suas histórias e seus desafios é essencial para orientar as intervenções”.

Em Abaetetuba, um dos municípios participantes da iniciativa coletiva paraense, o projeto já está gerando reflexões profundas sobre o modelo de produção rural. “Está sendo muito importante para o município fazer essa transição. A gente que atua nas comunidades vê que os produtores perderam um pouco essa parte agroecológica. Levar para eles essas políticas públicas será importante para o desenvolvimento do município”, afirma Túlio Castro de Herda Costa, diretor de Desenvolvimento Econômico Rural da Secretaria de Agricultura.

Outro município selecionado para implementar os projetos-piloto do PNAE Agroecológico é Caruaru tem demonstrado forte compromisso com a agricultura familiar e com a qualidade da alimentação escolar. A expectativa da gestora de Caruaru, Tayana Medeiros, é que a participação no projeto leve Caruaru a se tornar referência nacional. “Queremos ser um case de sucesso em transição agroecológica. Que a agroecologia seja valorizada nos editais, que os produtos sem agrotóxicos recebam o reconhecimento merecido, e que possamos fortalecer essas famílias agricultoras e fomentar a sucessão rural no campo”, conclui. 

Juliana ainda complementa que, em paralelo, a equipe está analisando a regulamentação atual do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), avaliando também as agendas do Governo Federal voltadas à agroecologia, para contribuir com recomendações que atualizem e fortaleçam o marco legal. “O Brasil já tem avanços importantes nesse campo — e é fundamental dar visibilidade a essas conquistas, ao mesmo tempo em que propomos os próximos passos para que o PNAE continue sendo uma referência internacional em alimentação saudável, sustentável e inclusiva”, completa.

Articulação nacional entre municípios

Mesmo os municípios que não foram selecionados na primeira etapa estão sendo contemplados. O Instituto Comida do Amanhã criou um grupo de articulação nacional com todas as cidades interessadas, promovendo um espaço de troca contínua, reuniões trimestrais e ações conjuntas de fortalecimento da agenda agroecológica.

“A ideia é transformar esse grupo em um espaço permanente de articulação, onde os municípios compartilhem suas realidades, desafios e estratégias em torno da alimentação escolar agroecológica”, destaca Gabriela Vieira, analista de Políticas Públicas do Instituto Comida do Amanhã.

O PNAE é reconhecido internacionalmente como uma das políticas públicas mais robustas e estratégicas do mundo, por seu alcance, orçamento consolidado e incentivo à agricultura familiar, sendo que o Brasil tem um dos maiores e melhores programas de alimentação escolar do planeta. 

Para Daniel Balaban, do Programa Mundial de Alimentos (WFP) no Brasil, “é importante mostrar que é possível fazer uma agricultura agroecológica, começando pelos alimentos comprados para a alimentação escolar. Essa iniciativa, por um lado, contribui para o agricultor familiar se adaptar às novas tecnologias e, por outro, contribui para a saúde dos alunos e da população em geral. Começando com a alimentação escolar, podemos expandir para a alimentação de todos os brasileiros. E isso será mais um exemplo que o Brasil poderá levar ao mundo”.

Perspectivas e próximos passos

Nos próximos meses, o PNAE Agroecológico segue com encontros técnicos, sistematização de dados e desenvolvimento dos projetos-piloto em parceria com os territórios. Também está prevista a publicação de um documento até o final de 2025, com propostas de atualização da regulamentação do PNAE Agroecológico e diretrizes para consolidar a alimentação escolar como eixo estruturante da transição agroecológica.

Fonte: Jéssica Amaral – DePropósito Comunicação de Causas

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