Nossa querida Ana Maria Primavesi faleceu hoje (05/01), aos 99 anos de idade. Quase um século de vida, cerca de 80 anos dedicados à ciência no e do campo. Descansa uma mente notável, uma mulher de força incomum e um ser humano raro.
Afastada de suas atividades desde que passou a morar em São Paulo com a filha Carin, Ana recolheu-se. Quase centenária, era uma alma jovem num corpo envelhecido que, mesmo se tivesse uma vitalidade para mais 200 anos, não acompanharia uma mente como a dela.
Annemarie Baronesa Conrad, seu nome de solteira, desde pequena apaixonou-se pela natureza, inspirada pelo pai. Naturalmente entrou para a faculdade de agronomia, mesmo Hitler tentando fazer com que as “cabeças pensantes” desistissem de estudar. Ela não só era uma das raras mulheres na faculdade como também aquela que destacou-se por seu talento natural em compreender o invisível: a vida microscópica contida nos solos.
Nestes 99 anos de vida, enfrentou todas as perdas que uma pessoa pode sofrer: irmãos, primos e tios na Segunda Guerra. Posteriormente, pai, mãe, marido. E seu caçula Arturzinho, a maior das chagas, que é perder um filho. Sua morte hoje, causada por problemas relacionados ao coração, encerra uma vida de lutas em vários âmbitos, o principal deles na defesa de uma agricultura ecológica, ou Agroecologia, termo que surge a partir de seus estudos e ensinamentos. Não parece ser à toa que esse coração, que aguentou tantas emoções (boas e ruins) agora precise descansar.
Nosso jatobá sagrado, cuja seiva alimentou saberes e por sob a copa nos abrigamos no acolhimento de compreendermos de onde viemos e para onde vamos, tomba, quase centenário. Ele abre uma clareira imensa que proporcionará ao sol debruçar-se sobre uma nova etapa, a da perpetuação da vida. E dos saberes que ela disseminou.
Antes de tombar, nosso jatobá sagrado lançou tantas sementes, mas tantas, que agora o mundo está repleto de mudas vigorosas, prontas a enfrentar as barreiras que a impediriam de crescer. Essas mudas somos todos nós, cada um que a amou em vida, cada um a seu modo.
Nossa gratidão pelo legado único que nos deixa essa árvore frondosa, cuja luta pelo amor à natureza prevaleceu. A luta passa a ser nossa daqui em diante, uma luta pela vida do solo, por uma agricultura respeitosa, por uma educação que se volte mais ao campo e suas múltiplas relações. Ana Primavesi permanecerá perpetuamente em nossas vidas.
O velório e o enterro ocorrerão no cemitério de Congonhas. Velório a partir das 10:00. Enterro às 16:30, Jardim Marajoara, São Paulo, capital.
Por Virgínia Knabben
Ana Maria Primavesi – Ela nasceu na Áustria em 1920, se formou em engenharia agronômica, especialista e apaixonada pelo estudo do solo, dedicou sua vida a trabalhar, entender, pesquisar, analisar o mais vasto e complexo universo que compõe o solo tropical.
Junto ao seu marido, Artur Primavesi, chegou ao Brasil na década de 60 – já formada e com vasta experiências em diversos países europeus – onde começou o seu trabalho no campo, chamando atenção dos fazendeiros e agrônomos brasileiros sobre a necessidade de se compreender melhor a formação e necessidade do solo local para se produzir alimentos sadios.
Era comum seguir e replicar as técnicas agrícolas praticadas na Europa e na América, seguindo as recomendações de tratamento, adubação, cultivo etc, sem considerar a diferença abissal do tipo e qualidade de solo e clima.
Enfrentando muita resistência e oposição, Ana Maria Primavesi sempre buscou meios de alertar para a necessidade de se estabelecer o manejo do solo de forma consciente, integrada com o meio ambiente e também promover uma agricultura que privilegiasse a atividade biológica do solo com um teor de matéria orgânica elevado, defendendo a aplicação de técnicas como adubação verde e controle biológica do solo em substituição ao uso de insumos químicos.
Seu trabalho de maior influência foi o livro “Manejo Ecológico do Solo” onde propõe o entendimento do solo como organismo vivo, conceito que revolucionou a agricultura ecológica tropical da América Latina. Neste trabalho, Ana Maria Primavesi enfatiza que o pré-requisito para cultivar plantas saudáveis é preservar a biodiversidade do solo saudável, que por sua vez contribuirá efetivamente para saúde do homem/animais pois os alimentos são verdadeiramente saudáveis e nutritivos, enfatizando assim a importância de restabelecer o equilíbrio entre o solo, organismos do solo, plantas, animais e seres humanos.
Ana Maria Primavesi publicou 94 artigos científicos no Brasil e em revistas internacionais. Além disso, escreveu 11 livros e colaborou em inúmeras outras publicações. Atuou como professora na Universidade Federal de Santa Maria / RS e também foi a responsável por organizar o primeiro curso de pós-graduação em agricultura orgânica.
Fonte/crédito: Rancho Orgânico