Durante sua palestra no XXII Congresso Brasileiro de Sementes, realizado recentemente em Foz do Iguaçu (PR), a pesquisadora da Embrapa Soja, Liliane Mertz Henning, apresentou os avanços da biotecnologia, com destaque para o uso da edição gênica via CRISPR.
Um dos principais pontos levantados por Liliane foi a discussão sobre a legislação referente à edição gênica. Ela explicou que a comunidade acadêmica internacional tem debatido a necessidade de uma legislação que diferencie claramente essa técnica da transgenia. A justificativa é que, se não houver introdução de DNA de outras espécies, as modificações poderiam ser consideradas naturais, equivalentes ao que ocorreria por cruzamentos convencionais.
Esse conceito tem ganhado espaço em diversos países, como Estados Unidos, Japão e na América Latina. “Na Europa, embora as modificações genéticas inicialmente fossem categorizadas como transgênicas, a legislação foi revisada, criando uma nova categoria chamada conventional-like. Já na China, que investe fortemente em biotecnologia, ainda não há uma posição clara, apesar de ser responsável por grande parte das publicações na área”, afirmou Liliane.
Na Embrapa Soja, a tecnologia CRISPR tem sido aplicada no desenvolvimento de sementes tolerantes à seca. Inicialmente, esse trabalho foi realizado por meio da transgenia, utilizando genes da planta modelo Arabidopsis thaliana. “Existe uma similaridade genética entre essa planta e a soja. Assim, buscamos esses genes e aumentamos sua produção por meio da edição gênica, sem a necessidade de introduzir genes de outras espécies”, explicou Liliane.
A meta é alterar quatro genes relacionados à tolerância à seca; dois já foram modificados e os testes de campo devem ocorrer em breve. Se os resultados forem positivos, Liliane estima que o produto estará disponível comercialmente em cerca de cinco anos.
Os avanços da pesquisa não param aí. A Embrapa Soja vem utilizando outra ferramenta que não é a edição gênica: o RNA de interferência (RNAi) tem sido bastante usado nos últimos anos no combate a plantas invasoras, ervas daninhas.
“Uma das grandes barreiras era estabilizar o RNAi, mas no ano passado os Estados Unidos conseguiram estabilizar a molécula e lançaram um inseticida à base dessa técnica para controle de pragas agrícolas”, comentou Liliane. Diferentemente da edição gênica, que altera o DNA da planta, o RNAi não modifica o DNA, mas bloqueia a produção de determinadas proteínas essenciais para a sobrevivência das pragas. “É como um inseticida biológico que não altera a base genética da planta”, explicou.
Liliane também destacou que a biotecnologia CRISPR está em constante crescimento, oferecendo um potencial ainda inexplorado. Enquanto a transgenia se focou em características agronômicas, como resistência a herbicidas e pragas, a CRISPR amplia as possibilidades para melhorias nutricionais e adaptação às mudanças climáticas.
“Embora a maior parte da área cultivada seja com transgênicos, não se desenvolveu muita coisa voltada para qualidade. As tecnologias anteriores, como a transgenia, focaram principalmente em características que ofereciam retorno financeiro imediato, o que limitou o desenvolvimento de melhorias nutricionais ou de adaptação às mudanças climáticas”, observa a pesquisadora.
Liliane Mertz Henning também ressaltou a importância de discutir a remuneração pelo uso dessas tecnologias e argumentou que essa questão deve avançar no contexto da lei de proteção de cultivares e outras regulamentações, para que as novas biotecnologias possam capturar valor no mercado.
Ela apontou, ainda, que o sucesso dessas inovações dependerá de ajustes regulatórios e de um modelo de negócios que torne as novas características economicamente atrativas para os produtores.
Fonte: Imprensa Abrates