O setor produtivo não terá nenhum problema em atingir as metas ambientais, desde que sejam estabelecidas com base em critérios técnicos.
*Por Pedro de Camargo Neto
A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP-26) produziu diversos documentos. Entre eles, o Acordo sobre o Metano, assinado pelo Brasil entre mais de 100 países. Teve o mérito de avançar sobre a questão deste gás, relevante para o efeito estufa, porém com métrica muito diferente dos demais.
O metano (CH4) produz um efeito estufa cerca de 50 vezes superior ao gás carbônico (CO2), porém tem ciclo de vida de cerca de 12 anos, irrisório em relação aos demais gases que podem ser considerados como permanentes na atmosfera.
Com frequência, quando se fala em emissões entéricas de metano pela pecuária, toda a discussão é focada no animal. Desconsidera-se o seu ciclo produtivo. O carbono, que sairá em forma de metano pela eructação (arroto) dos bovinos, está circulando de alguma forma. Ora está na atmosfera, ora no sistema solo-planta, ora no animal. Trata-se de um ciclo ininterrupto que acaba resultando em carne, leite, lã e todos os demais produtos gerados a partir do abate de animais.
O ciclo de vida do metano é curto, exigindo visão diferente da das emissões dos combustíveis fósseis, que permanecem na atmosfera quase que de maneira permanente.
O sistema de produção da pecuária também remove carbono – um conceito bem menos discutido do que as emissões. Quando os conhecimentos agronômicos, como incremento na fertilidade do solo pelo processo de humificação, relação entre resíduos de capim e total consumido pelos animais e relação entre massa de raízes e parte aérea das forragens, são colocados na mesa, pouco temos conseguido evoluir, pois também no debate científico existem fortes preconceitos.
Mesmo aceitando todas as premissas superestimadas para o efeito da pecuária no ambiente, seria preciso recalcular o peso da pecuária nas emissões globais. O passivo da pecuária apresentado hoje inclui as emissões de todo o rebanho, quando, na verdade, deveria considerar apenas as emissões do rebanho acrescido. O aumento das emissões que impactariam mudanças climáticas ocorreria apenas a partir do acréscimo de cabeças no rebanho, não levando em conta os animais que já estavam emitindo no início da análise. Um rebanho estável não amplia emissões, considerando que o metano, em seu curto ciclo, retorna ao solo, deixando de causar o efeito estufa.
Analisando o período de 1990 a 2020, o rebanho mundial de bovinos, com base em números compilados a partir da FAO, do USDA e do IBGE, aumentou 230 milhões de cabeças, o equivalente a 16,2% em 30 anos. No Brasil, neste período, o rebanho aumentou 44 milhões de cabeças, o equivalente a 29,7% nos mesmos 30 anos.
É sobre essa variação que deveriam ser computados os acréscimos da contribuição da pecuária em relação às emissões entéricas. Assim, globalmente, neste período, as emissões da pecuária são apenas 16% do divulgado pelos institutos. No caso do Brasil, a contribuição com o aumento nas emissões seria apenas 30% do que normalmente é divulgado, considerando os últimos 30 anos.
É preciso, também, considerar outra variável. O objetivo da pecuária é o produto, e não o estoque. Sendo assim, o que interessa é a produção de carne, leite e outros produtos.
No mesmo período, a produção global de carne aumentou 28%, evidenciando que a pegada de carbono da pecuária tem melhorado ao longo dos anos. Entre 1990 e 2020, o rebanho cresceu a uma taxa média de 0,5% ao ano, enquanto a produção mundial cresceu a uma taxa de 0,82% ao ano.
No Brasil, o desempenho é ainda melhor. A produção aumentou 145%, atingindo a incrível taxa de 3% ao ano no crescimento de produção de carne, enquanto o rebanho aumentou 0,87% ao ano. E estamos ainda bem longe do potencial de produção do Brasil. O perfil dos produtores entrevistados pelo Rally da Pecuária, expedição que percorre anualmente as principais regiões produtoras, atinge produtividades médias 2,5 vezes acima da produtividade média nacional. E o ritmo de aumento no desempenho é cerca de 4,5 vezes maior que a elevação anual na produtividade média da pecuária.
O setor produtivo não terá nenhum problema em atingir as metas ambientais, desde que sejam estabelecidas com base em critérios técnicos, considerando toda a dimensão do conhecimento científico.
Em termos práticos, a pecuária só emite um carbono que já estava na atmosfera. E, mesmo assim, entrega cada vez mais carne, leite e outros produtos a partir das mesmas emissões.
O único impacto real que poderia ser atribuído à pecuária é a mudança de uso do solo. No Brasil, também por preconceito, a pecuária acaba arcando com todo o passivo do desmatamento ilegal, sendo que a responsabilidade, pela fragilidade dos poderes públicos nas fronteiras, deveria ser distribuída para toda a sociedade. Não é a demanda por carne que move o avanço sobre áreas que deveriam ser protegidas
*Pedro de Camargo Neto, ex-presidente de associações de classe, foi secretário do MAPA (2000-2002)
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