*Por Aline Locks
O agronegócio responsável vai precisar de muito mais gente, abrindo vagas para profissionais com novas qualificações. Você está pronto para “enverdecer”?
Amazônia, Brasília, Mato Grosso, Davos. Por onde quer que se ande, as discussões sobre agronegócio têm convergido com os debates sobre sustentabilidade. São temas cada vez mais conectados — e isso se reflete, necessariamente, na carreira de quem trabalha em ambas as áreas.
Em uma entrevista recente, o economista sênior da divisão de Mercados de Trabalho e Seguridade Social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), utilizou um neologismo para definir um processo de transformação que pode ocorrer no mercado de trabalho. Com uma demanda imensa de profissionais especializados em atividades ligadas a uma nova economia sustentável, a palavra de ordem é “enverdecer”. Ou seja, qualificar-se para ocupar um dos milhões de novos empregos verdes que, segundo vários levantamentos recentes, serão disponibilizados nos próximos anos — inclusive ou, para muitos, sobretudo no agronegócio.
Na mais recente edição do Fórum Econômico Mundial, realizada no mês passado na cidade suíça de Davos, os representantes brasileiros retomaram a ideia de que o mundo deve financiar um novo modelo de convivência entre produção agropecuária e preservação ambiental. A imagem do Brasil Agroambiental é bem vista no exterior e a retomada de investimentos estrangeiros nessa pauta foi imediata.
Na segunda-feira passada, 30 de janeiro, o chanceler alemão, Olaf Scholz esteve em Brasília e anunciou, por exemplo, um pacote de investimentos superiores a R$ 1 bilhão em ações ambientais no Brasil. Entre elas estão R$ 440 milhões para empréstimos com juros reduzidos no Banco do Brasil, para financiar ações de reflorestamento de agricultores e R$ 72 milhões em crédito para projetos de reflorestamento de áreas degradadas por pequenos agricultores, além de recursos para que estados da região amazônica desenvolvam projetos de uso sustentável da floresta.
Empregos verdes
São movimentos como esse, além de investimentos de empresas na transformação de seus processos de produção, que impulsionam o mercado de trabalho. Com dinheiro disponível, a necessidade de gente qualificada para executar os projetos passa a ser imediata. E não é pouca gente.
O próprio Fórum Econômico Mundial tem uma estimativa grandiosa, surgida a partir de um levantamento feito em parceria com a consultoria Accenture em 10 países, inclusive o Brasil. O estudo “Empregos de amanhã: empregos sociais e verdes para a construção de economias inclusivas e sustentáveis”, avalia que, até 2030, serão geradas mais de 75 milhões de vagas em “empregos verdes”.
Um dos setores que mais demandará profissionais especializados será o agronegócio. Segundo o levantamento, mais de 11 milhões dessas vagas estarão ligadas ao setor agrícola e à silvicultura.
Outros estudos corroboram a mesma percepção. Uma análise feita pelo LinkedIn nas vagas ofertadas pela sua rede também identificou a mesma tendência de valorização dos empregos verdes. A pesquisa indicou, entre eles, os cinco com crescimento mais rápido entre 2016 e 2021:
- Gerente de sustentabilidade (30%)
- Técnico de turbinas eólicas (24%)
- Consultor solar (23%)
- Ecologista (22%)
- Especialista em saúde e segurança ambiental (20%)
Já a consultoria, a McKinsey, calculou o impacto que investimentos ligados à chamada economia verde devem gerar no Brasil e chegou a dados também impressionantes: de 550 mil a 880 mil empregos líquidos por ano através de projetos de restauração, agroflorestas e REDD+ (incentivo para compensar países em desenvolvimento por medidas de redução de emissões).
Em declaração veiculada em reportagem publicada no site InfoMoney, o sócio e líder da prática de sustentabilidade da McKinsey, Henrique Ceotto, afirmou que “57% desses empregos são diretos e concentrados no local de implementação dos projetos”. E ainda ressaltou a alta demanda por profissionais com experiência no mercado de carbono voluntário.
“Enverdecendo” o Brasil
A reportagem explora justamente o potencial brasileiro na geração de oportunidades verdes. Isso se explica de forma clara e simples: a combinação de um país com grande diversidade de biomas e espécies animais e vegetais, de um lado, convivendo com imenso potencial agropecuário e de produção de energias renováveis.
A necessidade de conciliação harmônica desses dois cenários faz com que, atualmente, o país já responda por cerca de 10% de todos os empregos verdes no mundo, segundo dados da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena).
Enverdecer o mercado de trabalho no agro exige um esforço de várias frentes. Governos e empresas, de um lado, terão de investir na geração de oportunidades de qualificação para esse contingente de novos profissionais. Universidades e academias precisarão rever os currículos de seus cursos, integrando novas competências e conhecimentos. E os próprios profissionais terão de buscar essas novas qualificações, cada vez mais valorizadas.
Isso significa ir além das carreiras tradicionais. “Será preciso criar novas funções ligadas à sustentabilidade”, afirmou Oliver Azuara, do BID. Para ele, atender à demanda por profissionais verdes passa por melhorar os processos produtivos já existentes, o que vai gerar oportunidade de posições ligadas à descarbonização e à sustentabilidade.
O estudo do Fórum Econômico Mundial com a Accenture identificou 24 profissões com maior potencial de crescimento nos próximos anos. Entre eles estão várias carreiras no agro, mas listadas de forma mais genérica:
- Trabalhadores da indústria agrícola, silvicultura e pesqueira;
- Consultores e técnicos da indústria agrícola e silvicultura;
- Gestores de produção da indústria agrícola, silvicultura e pesqueira.
A prática, em campo, mostra que o leque de possibilidades profissionais se expande rapidamente. Engenheiros agrônomos, por exemplo, serão cada vez mais requisitados em especialidades relacionadas à agricultura regenerativa ou sistemas agroflorestais. A preocupação com a recuperação dos solos exigirá análises mais rápidas e precisas. Analistas de dados e programadores serão fundamentais para a integração tecnológica dos processos de produção responsável. E assim, com tantas outras profissões, a oportunidade de enverdecer está aí. Você está pronto?
Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo, solução que já apoiou a maneira como mais de 6 milhões de hectares de terras são gerenciados, através da integração de boas práticas produtivas, respeito às pessoas e aos recursos naturais. Liderou projetos com foco em inovação e tecnologia, como o ‘Conectar para Transformar’, um dos vencedores do Google Impact Challenge Brazil. Recentemente foi selecionada pela Época Negócios como um dos nomes inovadores pelo clima, é uma das 100 Mulheres Poderosas da revista Forbes e uma das líderes do agronegócio 2021/2022 pela revista Dinheiro Rural.
Fonte: Rafaela Conte