*Por Décio Luiz Gazzoni
Há cerca de 35 anos — quando a tecnologia de transgênese ainda era embrionária — desenvolvi um estudo (Modeling Insect Resistance to Insecticides Using Velvetbean Caterpillar (Anticarsia gemmatalis) as an Example) objetivando verificar os fatores que conduziam ou que evitavam o desenvolvimento de resistência de insetos a inseticidas (Link). Uma curiosidade: à época utilizei para os cálculos um “poderoso” computador, localizado no Centro de Processamento de Dados do Senado Federal, em Brasília. Sua capacidade de processamento era muito inferior ao celular que hoje utilizo!
Uma das conclusões daquele estudo foi que a migração de insetos de áreas não tratadas com inseticida, ou que recebiam um inseticida com modo de ação diferente do usado na área estudada (evitando resistência cruzada), diminuía a probabilidade de surgimento da resistência. O fator mais importante era a dose do inseticida– que modula a taxa de mortalidade no campo — o que demonstrou matematicamente a importância de ajustar doses para obter mortalidades da praga em torno de 80%, conclusão que foi intensamente utilizada à época, nas recomendações da Embrapa para os programas de manejo de pragas.
Há uma equivalência entre desenvolvimento de resistência de insetos a inseticidas e de plantas a herbicidas, ou a insetos. No estudo acima, a migração é o efeito de um refúgio, com intercâmbio genético entre espécimes com algum grau de resistência, e outras que não sofreram seleção para esta característica. Assim, o refúgio, como uma tática de sucesso no manejo de resistência, antecede o surgimento de variedades transgênicas. Nesse texto usaremos o termo variedade embora para algumas culturas, como a soja, o termo correto seja cultivar e para outras, como o milho, um híbrido.
Por que evitar resistência?
Há diversas razões, mas vamos elencar o eixo central. Desenvolver uma planta transgênica, não interessa com qual característica desejável, demora muitos anos. Desde a criação de um conceito, passando pelo desenvolvimento de um evento elite (aquela característica que vai beneficiar o agricultor ou a sociedade), liberação por parte dos órgãos oficiais, testes agronômicos, ambientais e de saúde, até obter uma variedade comercial, com as licenças de biossegurança, decorrem em torno de 10 anos. E seu aproveitamento comercial dificilmente atinge os dez anos seguintes, após o lançamento.
Durante todo o período referido acima, incorrem custos de pesquisa e desenvolvimento, como pessoal altamente especializado, instalações e equipamentos científicos de última geração, múltiplos testes, cuidados permanentes com biossegurança. Esse custo precisa ser ressarcido, sob pena de inviabilizar a instituição que o desenvolveu, sendo o fulcro do conceito de royalties, a recuperação do investimento efetuado para obter uma variedade transgênica. O valor dos royalties é calculado em função de diversos parâmetros, sendo os mais importantes a previsão das vendas anuais de sementes da variedade e o número de anos de viabilidade comercial.
Surgindo resistência da praga (inseto, doença ou planta invasora) ao evento que a controla, as variedades que o utilizam podem perder viabilidade comercial. Se o desenvolvedor se ressarciu de seus custos de criação e desenvolvimento, os problemas são menores, pode ofertar outra variedade, com as mesmas características, porém com uma tecnologia inovadora (se houver), para a qual ainda não ocorreu desenvolvimento de resistência. De qualquer maneira, aquela tecnologia específica está prejudicada comercialmente.
E se o pay back da variedade para a qual houve desenvolvimento de resistência não ocorreu? Nesse caso, o desenvolvedor precisa encontrar outra forma de se ressarcir, sob pena de iliquidez ou falência. Qualquer que seja a forma encontrada — por exemplo, acrescentar os custos não ressarcidos no cálculo de royalties da nova variedade que vai substituir a anterior — isto será cobrada dos produtores rurais. E, nos novos cálculos de royalties, o risco de perda da viabilidade comercial por desenvolvimento de resistência, será considerado, aumentando seu valor.
Em alguns casos, a tecnologia pode não ser totalmente inviabilizada, porém o agricultor necessitará lançar mãos de ações de manejo específicas para o controle das plantas invasoras ou de pragas resistentes.
Refúgio é a melhor solução
Melhor tanto do ponto de vista técnico quanto financeiro, ambiental e mesmo da estabilidade produtiva do país. Existem inúmeros exemplos recentes de identificação de resistência de insetos-pragas às variedades desenvolvidas para seu controle, bem como de plantas invasoras ao herbicida de ação total, usado em conjunção com variedades resistentes ao herbicida. Pragas resistentes às variedades transgênicas são sinônimo de maior custo de produção para o agricultor, logo menor margem.
No caso de insetos-pragas, houve o desenvolvimento de resistência a algumas proteínas de Bacillus thuringiensis expressas em variedades, como a Cry1F e a Cry1Ac. Espécies de buva, amendoim-bravo, azevém, caruru-palmeri, caruru-gigante, capim-branco, capim-pé-de-galinha e capim-amargoso são exemplos de plantas invasoras que apresentam resistência ao glifosato.
O objetivo do presente artigo é apresentar ao agricultor um panorama dos problemas causados pelo desenvolvimento de resistência às variedades resistentes a insetos ou a herbicidas. Não é nossa intenção orientar, em pormenores, o uso de refúgio, mas ressaltar sua importância transcendental para o agricultor e para a agricultura brasileira.
Para orientações técnicas de como utilizar adequadamente o refúgio, sugerimos consultar publicações técnicas específicas, dos desenvolvedores das variedades, ou as orientações fornecidas pela Embrapa, que podem ser encontradas em Link ; Link ; Link ; Link, ou ainda consultando diretamente as unidades da Embrapa.
*Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Agro Sustentável
Fonte: Mariana Cremasco